sábado, 21 de setembro de 2019

Poesias Gauchescas (2)


BERNARDO TAVEIRA JÚNIOR

O Boleador     


(...)
E o destro campeiro na fúria indomável,
Seguindo o cavalo que vai a fugir,
As bola meneia com braço de ferro,
Enquanto as não deixa certeiras partir.

E a certa distância que mede co'a vista,
O impulso tenteia visando o bagual,
E após, lá consigo, contando com a presa,
Desprende o seu tiro terrível, fatal!

E as bolas tremendas fungando no espaço,
Lá vão zig-zigs formando no ar;
Lá vão implacáveis cair como um raio
Na frente do bicho que intenta escapar.

E as pernas das bolas o bicho mal sente
Nas mãos lhe tocarem, priscando coiceia,
E quanto mais prisca, coiceia ariscado,
Mais ele se enreda, nas bolas se enleia.

E os fortes campeiros que adoram proezas
Soltaram mil vivas naquela amplidão;
Um tiro de bolas há muito não viam
Com mais bizarria, com mais perfeição.

Eu te admiro e saúdo,
Ó destro boleador!
Mais te dera, se o pudesse
O teu modesto cantor.

CHICO RIBEIRO

Negrinho do Pastoreio


A mão da noite fechara
a porta grande do dia,
era noite e dentro dela
a tempestade rugia...

O vento! Como ventava!
A chuva! Como chovia!
O trovão de boca aberta!
O raio, de quando em quando,
Soltando-se do trovão,
corria dentro da noite,
cortando em riscos de fogo
o seio da escuridão!

Ia fundo a tempestade:
O vento ventando mais,
a chuva chovendo mais.
E o Negrinho, como a ronda,
dentro da noite perdido!...

A tempestade crescendo,
cada vez roncando mais!...

E o Negrinho acocorado
entre as macegas, ouvindo,
ouvindo, vendo e sentindo,
o bate-bate da chuva,
o martelar do trovão.
E o raio...com que violência
cortava o raio a amplidão!...

E o Negrinho ouvindo tudo!
Tudo lhe vem aos ouvidos,
enche-lhe a vista, os sentidos,
menos o passo da ronda,
que lhe confiara o -Sinhô-,
a ronda que a tempestade
de vento e chuva espalhou...

A tempestade crescendo,
cada vez roncando mais!...

Depois, depois ... oh! Senhor!
Depois que tudo acabou,
que a chuva não mais choveu,
que o vento não mais ventou
e o raio se terminou
porque o trovão se calou.

E o Negrinho também!
A não ser pelos milagres,
pelo bem que ele nos presta
quando se perde um tareco,
ninguém mais dentro do mundo
no vão dos dias, das noites,
acompanhado ou sozinho,
conseguiu botar os olhos,
pode encontrar o negrinho!

CYRO GAVIÃO

Petiço     


Esse petiço troncho que, ao passito,
Vem chegando co'a pipa, lá da fonte,
Foi quebra noutros tempos... foi bonito,
Foi mestre, num rodeio e num reponte.

Mas, hoje, nem o relho, nem o grito
Da gurizada já lhe altera a fronte
Indiferente a tudo, ao infinito,
A mais um dia que se lhe desconte.

Até dá pena ver esse sotreta,
Trocando perna, ao lado da carreta
Num caminhar tristonho, passo a passo...

Petiço velho... joia do meu pago!
Saudade amarga que, comigo, trago,
Espera... qu'eu também sinto cansaço.

GLAUCUS SARAIVA

Borracho


Pobre borracho... ajoelhado
no oratório do bolicho!
Teu presente é como o lixo
que sobrou do teu passado.
Tens o futuro castrado
de esperança e ilusões.
Te incorporaste aos balcões
das pulperias do pampa...
Se vives a meia guampa
encharcado de bebida,
é pra esquecer a caída
dessa outra bebedeira
que tomas, a guampa inteira,
no copo amargo da vida.

Mastigando o teu silêncio,
como quem reza baixinho,
vais garganteando aos pouquinhos
teu ato de contrição,
feito de canha e limão
por monges de estranha cúria,
nesta liturgia espúria
praticada no balcão.

Mas não tem quem te absorva,
nem que ouça a tua reza...
Geralmente te despreza
a maioria, borracho.
E, assim, vais vivendo guacho
de carinho e compreensão.
Mas eu te respeito, irmão,
pois diz o velho ditado
que até Deus, penalizado,
frente a criança e ao borracho.
Deus coloca a mão por baixo...

Todos nós somos borrachos,
a canha é que é diferente.
Eu conheço muita gente
que rola por este mundo
vivendo dramas profundos,
embriagado de dor.
Outros, borrachos de amor,
dão tudo, dão corpo e alma,
vivendo a íntima calma
que só nos traz a bondade.

Alguns, ébrios de vaidade,
bebem tragos de si mesmo
e vão ostentando a esmo
garrafões de narcisismo,
canha feita de egoísmo,
indiferença e arrogância.
Outros, pobre ignorância,
se embriagam de dinheiro
e fazem da vida celeiro
para amontoar a riqueza,
vivendo a extrema pobreza
da indigência espiritual.
Algum prefere o imortal
licor feito de esperança
e a realidade amansa
bebendo ilusão e sonho.

E, por fim, nos vem tristonho,
empochado em desencanto,
um que bebe o próprio pranto,
destilado, com certeza,
do alambique da tristeza
que bate no peito seu!
Agora peço: por Deus,
bolicheiro do meu pago,
venha no mais outro trago
que este borracho... sou eu!

GLAUCUS SARAIVA

Lenda do Quero-quero


Nos velhos tempos de antanho,
quando o campo era sem dono
O guasca era um rei no trono
verde-escuro das coxilhas...
Sua corte eram tropilhas
selvagens dos potros bravos.
O pampa não tinha escravos,
onde tudo era igualdade,
E o pendão a Liberdade !
A espora que retinia,
a garrucha, a lança esguia
a boleadeira e os cavalos,
eram somente os vassalos
que o gaúcho conhecia.

Mas um dia a prepotência
mostrou as garras malvadas!
Banhou de sangue as estradas,
cobriu de luto a verdade,
e em troca de liberdade,
trouxe grilhões de negreiro.
Porém o guasca altaneiro
boleou a perna no pingo,
E foi pra luta sorrindo,
porque o destino mandou.
Muito gaúcho tombou,
mas, entre os guascas sombrios,
a prepotência caiu
e a liberdade ficou!

E no lombo das coxilhas,
no largo dos descampados,
cabos de lança, quebrados,
apontavam cemitérios.
E os quero-queros gaudérios,
por sobre aquela tristeza,
pairavam sua nobreza,
como por artes divinas.

E, descendo nas campinas
por onde o sangue rolou,
Um bando imenso pousou
e embaixo d'asa escondidas,
guardavam as pontas perdidas
da lança que o índio amou...

Agora, pela amplidão,
na coxilha e o pampa enorme
o quero-quero não dorme,
como eterno guardião.

Às vezes, na noite escura,
Como um grito de amargura,
estridula seu cantar...
É a alma de algum gaúcho,
que, num último repuxo,
se levantou pra pelear!

E qual um centauro alado
que se ergue do banhado
cavalgando uma ilusão,
voará, como a esperança,
guardando, à ponta de lança,
a Gaúcha Tradição!

Fonte:
http://www.paginadogaucho.com.br/poes/lista.htm

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