domingo, 29 de setembro de 2019

Professor Garcia (Trovas que sonhei cantar) 4


A manhã, de alma serena,
e a tarde, de alma tristonha;
juntas, vão dosando a pena
da solidão de quem sonha!

Ao contemplar a tristeza,
que há, no olhar do sol poente,
uma lágrima indefesa
embaça os olhos da gente!

Ao fim da tarde, eu medito,
e percebo a contra gosto,
que a tristeza do infinito
se faz presente em meu rosto!

Ao ver teus olhos vermelhos,
no olhar, rastros de esperança,
percebo que meus conselhos
dão-te paz, desde de criança!

Aquela flor perfumosa
que tu me deste com medo,
guarda o perfume da rosa
e esconde o nosso segredo!

Carro-de-bois, teu gemido
fez no sertão nossa história;
teu canto triste e sofrido
é culto em nossa memória!

É bem mais pesada a cruz
que arrasta o velho andarilho,
quando o olhar quase sem luz,
é a luz dos olhos do filho!

Entre ilusões, sonhos vãos,
e irreversíveis esperas...
sinto escapando entre as mãos,
as mais sutis primaveras!

Escravo do teu assédio,
a minha alma com ternura,
faz dele, um santo remédio,
para um mal que não tem cura!

Eu vi num pobre andarilho,
a paz no rosto de alguém!
Honra e pobreza, meu filho,
é o que pouca gente tem!

Já viste a simplicidade
da majestade da flor?
Majestosa na humildade
torna-se a diva do amor!

Maria, mãe peregrina,
mãe de todos os mortais;
eternamente divina
e alívio de nossos ais!

Na velha ermida parece
que a solidão, que a conforta,
vem do achado de uma prece
que há, na paz da tarde morta!

No entardecer da cidade,
antes do sol se esconder...
Há mais cinzas de saudade
nas cinzas do entardecer!

No meu sertão causticante,
há dois milagres divinos:
O amor à terra escaldante
e o riso dos nordestinos!

O orvalho caindo aos molhos,
ao despertar da alvorada...
Revela o pranto nos olhos,
dos olhos da madrugada!

Por decisões tão profanas,
cumprindo seus rituais...
Como crer nas leis humanas
com rumos tão desiguais?

Por ironia ou por terdes
falso orgulho, é que, no entanto,
há nos vossos olhos verdes
perpétuas gotas de pranto!

Quando o sol dobra os joelhos,
de rubro a tarde se banha,
para escutar seus conselhos
sobre os braços da montanha!

Quanto mais ouço conversas,
mais eu vejo esforços vãos,
em mãos, incultas, perversas,
escravizando outras mãos!

Se a vida é luz e esperança,
riso, alegria, acalanto...
Por que será que a criança
ao vir à luz, chora tanto?!...

Seguindo os teus passos certos,
não temo o peso da cruz!...
Quero em teus braços abertos,
crucificar-me de luz!

Sem teu amor eu não vivo,
sem teus abraços, tampouco.
Sou velho escravo e cativo
desse amor que me fez louco!

Se um sonho bom, não te alcança,
fujas da vida vazia,
plantando pés de esperança
na esquina de cada dia!

Sino! Por que tanto alarde?
Há mais pranto em teu cantar...
Se és mesmo o pastor da tarde,
a tarde não quer chorar!

Só uma verdade me inspira,
não suporto a falsidade.
Por mais que brilhe a mentira,
não brilha mais que a verdade!

Sou poeta de alma nua
fazendo versos ao léu...
Cobrem-me, as vestes da lua
e as nuvens brancas do céu!

Tanta alegria no ninho,
tanto amor, no antigo lar!...
E agora, o meu passarinho
não tem mais onde morar!

Teu adeus, triste miragem!
Aos teus sinais, me anteponho:
Por que buscar noutra imagem,
a ilusão de um novo sonho?

Todo poeta é um peregrino
com coração de criança;
nas costas, leva o destino,
no coração, a esperança!

Tu tens dois gestos dos sábios,
no teu modo de pensar:
Tens o silêncio em teus lábios
e a humildade em teu olhar!

Fonte:
Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018.  
Livro gentilmente enviado pelo autor.

Nenhum comentário: