sexta-feira, 6 de setembro de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XXV


NAMORADOS

Um ao lado do outro, - assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
- seguem... a imaginar que estão seguindo
o mais suave de todos os caminhos...

Com gravetos de sonho vão construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplêndida ilusão de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos...

Nada tolda os seus olhos... Nem um véu...
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que veem é o azul do céu...

Ah! se a gente, - tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!..

NAQUELE DIA...

Não devia
ter-te encontrado em meu caminho
naquele dia...

Naquele dia
teriam gosto amargo os teus beijos mais doces
e por mais sincera e humana que tu fosses
no teu amor por mim,
havia de ferir-te com meu orgulho mordaz...

Perdoa, meu amor, naquele dia
todas as mulheres para mim
eram iguais...

NÓS

Afinal o que sinto
é o sofrimento atroz
de muito tarde descobrir que nunca falaremos
em nós...

Eu, serei eu, tu, serás tu,
e eternamente assim
nem nunca me terás como queres que eu seja
nem serás como eu quero que sejas pra mim...

Muito tarde... muito tarde...
- depois que assim te quero, e preciso de ti
como os pulmões precisam de ar
ou os olhos de luz,
é que vou descobrir que se ficarmos juntos,
eu poderia te odiar, tu poderias me odiar!
- Quem diria ao final, ao que o amor se reduz?!

Estraguei a tua vida e desgraçaste a minha
e fomos acordar, os dois, tarde demais...
Agora, eu sigo só,
tu, seguirás sozinha,
eu, fugindo; covarde!... a este amor que me espinha!
tu, querendo, - medrosa!... inutilmente a paz!

E o que é estranho afinal, é que nos amamos,
e sentimos no entanto que nos separamos,
cada um com a sua sombra dolorosa a sós...
- conformados, na dor cruel, nos convencemos,
de que nunca na vida, eu e tu...
seremos nós...

NOTURNO Nº 3

Sobre o teclado negro das montanhas
onde o sol, num incêndio de gazes e sombras
delira, em agonia,
uma palmeira pianista
com as longas palmas de seus dedos longos
de artista,
toca uma ave-maria...

NOTURNO Nº 4

Ah! só os meus ouvidos ouvem!
Cada estrela é uma nota nítida vibrando
como um toque de cristal,
na sinfonia azul da noite tropical
que superou Beethoven!

O LAGO

É um lago azul, tranquilo, pequenino,
sereno, cristalino,
bem ao pé da montanha distante, onde o vês...
Da sua superfície sempre calma
nada perturba a suave placidez

De súbito, uma pedra vem rolando
e sobre as águas cai...

Uma onda, uma outra mais se vão formando
e em círculos concêntricos crescendo, aumentando,
chegam até as bordas, e a primeira
transborda... e sai...

a alma da gente é assim, é como um lago
bem ao pé da montanha do destino,
com a sua superfície transparente...

Vem a pedra rolando e a água perturba,
os círculos se vão formando, vão crescendo,
e de repente,
as lágrimas transbordam uma a uma
pelos olhos da gente

ORÁCULO

Sinto que vens de longe, através das eras,
para um mundo profano, esquecido das olímpicas
belezas,
das mediterrâneas primaveras
e das perfeições supremas...

Eu sabia que vinhas, e por isso eu te esperava ...

Ressuscitarei em teu corpo a alma perdida e escrava,
e ao milagre da ressurreição,
vibrarão teus ouvidos com a música dos meus poemas
e os teus olhos com a fantasia da minha imaginação!

Despertarei em tua carne todos os gestos adormecidos
e ressoarão novamente em teus sentidos
acordes imortais de outros hinos de amor...

Soprarei a luz nas tuas órbitas frias e inanimadas
que não viram a marcha dos tempos,
e na superfície de cristal de tua beleza serena
acordarei repuxos de líquidos corpos
transparentes,
e mergulharei nas profundezas as minhas mãos nervosas
-as minhas mãos ardentes...

Depois... eu turvarei a pureza sem mácula
da tua alma presa
e adormecida,
trazendo-te do fundo de ti mesma, e entregando-te surpresa
a própria Vida ...

Libertarei o teu corpo feito de ritmos elementares
para a suprema celebração desse milagre criador...
E dos teus esponsais com o Poeta,
renascerão em tuas formas
todas as estátuas gregas,
e de teu ventre virá a luz que há de perpetuar a beleza
na imagem de um novo deus, filho do nosso amor!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.

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