sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Cecy Barbosa Campos (o Bom Ladrão)


Pensava em suas crianças. Magrinhas e famintas não davam sossego à mulher que, de jovem viçosa e decidida, passara a uma sombra do que fora, com os olhos sem brilho, desgastada pela lida com os sete filhos e três abortos.

As palavras do Zé ecoavam em seus ouvidos: "Olha cara, tu é bobo. Pega um carro, leva pra oficina do Manolo, que ele te dá um dinheiro bom pelo desmanche".

Hesitava. Afinal, nunca fizera nada grande. Só pequenos furtos, quando pegava uma carteira distraída em cima do balcão, umas frutinhas no supermercado. coisas pequenas que o deixavam em perigo e não resolviam nada. Tinha, sim, que ter coragem e fazer alguma coisa que melhorasse a sua situação.

Enquanto pensava, tomou uma pinga e observou o casal que chegara no Monza cinza, estacionado quase em frente ao bar, em local proibido.

O homem começava a ficar embriagado, e a mulher, rindo muito, parecia mais "alegre" do que ele.

Saindo do bar, parou para olhar o carro e viu que a chave estava na ignição. Achou que era um sinal, e que não poderia perder a oportunidade.

"Pegar o carro e levar pro Manolo. Tudo ficaria resolvido em pouco tempo".

O motor estava bom, e o Monza, apesar de velho, funcionava perfeitamente. Empolgado, pisou no acelerador sentindo-se um herói até que, quase chegando, assustou-se com um choro de criança.

Num primeiro impulso, achou que era um dos seus filhos e, olhando para trás, verificou que, deitado no banco, estava um bebê que acordara assustado, provavelmente, pelos solavancos da estrada e as curvas bruscas que o motorista fazia.

Firmino parou o carro imediatamente. Deixou a direção e pegou o bebê, embalando-o carinhosamente. Como pai experiente, verificou que a fralda precisava ser mudada e, olhando melhor, viu que no carro havia uma sacola. Abriu-a e encontrou o que necessitava para a limpeza e troca. Acabada a função, deu conta do que acontecera: o casal resolveu beber e deixou a criança sozinha no carro. Revoltado, pegou no celular e chamou a polícia informando que deixaria o carro naquele local, a estrada que levava ao Buraco do Bode, e que o resgate devia ser rápido, pois havia uma criança no carro.

Ajeitou o bebê o mais confortavelmente possível e saiu correndo, pois não poderia ser encontrado por ali.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.

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