A tarde se esvaía, quando o garotão passou pelo casal de velhos.
Aliás, velho é força de expressão. Todo mundo sabe, ou deveria saber que, velhice, na maioria das vezes, é estado de espírito — há velhos jovens e jovens velhos, tudo dependendo da disposição. No caso, seria mais exato dizer — casal de meia idade, que ainda sabia dividir os encantos vespertinos de uma caminhada a dois.
Pois é, mesmo que a tarde estivesse morrente, havia sol a pino na alma daquele garoto de camiseta ampla, bermudas largas, aba do boné cobrindo a orelha esquerda, tênis sem griffe definida e de cordões desatados.
O jovem diminui o passo ao ultrapassar o par grisalho que, ternamente abraçado, seguia o mesmo rumo.
Jogou a pergunta como quem, de improviso, atira uma bola:
— Vocês gostariam de ser jovens como eu?
Após o instante de surpresa ante a inusitada abordagem, o casal sorriu, aprovando a desenvoltura do rapaz que, embora taludo, andaria aí pelos treze ou catorze anos de idade. Por sinal, fase de transição em que os braços e as pernas crescem tanto quanto o próprio ego e as dificuldades de comunicação com os adultos mais se complicam.
— Claro, que gostaríamos de ser jovens novamente, como não?! — respondeu o caminhante, interpretando também o pensamento da mulher.
O garoto estava com a corda toda. Continuou falando:
— Sabe... no outro dia, eu estava na praia com o meu iguana. Pintou gente assim... pra ver o bichinho! Homens, mulheres, velhos, moços, todos viraram crianças!... Igualzinho ao que aconteceu quando também fui até lá empinar a minha pipa com o emblema do Santos. Era todo o mundo de nariz pra cima, doido por uma puxadinha na linha, pra ver a pipa cabecear, lá no alto, presa pelo cabresto! Legal!
Emendou o assunto:
Na aula de ontem, meu professor de português me deu uma nota vermelha... e eu avisei: — Não quero uma nota vermelha... eu quero é nota azul. Aí, ele me perguntou: — Por quê azul, Rodrigo? E então respondi que vermelho é cor de coisa errada, cor de sangue, cor de guerra, de violência... e azul é a cor mais bonita de todas, senão, o céu não seria azul! — concordam? — O professor entrou na minha, abanou a cabeça, me chamou de poeta e me deu uma nota azul, bonita pra caramba! É isso, a gente tem de lutar pelo que quer!
A esse tempo o garotão já adiantara o passo, distanciando-se, embora não o bastante que lhe impedisse de ouvir o que dizia a emocionada senhora:
— Deus te conserve essa alegria, meu filho!
— Obrigado... Tchau...
O aceno de despedida e lá se foi ele, solto nas suas largas bermudas, trauteando um ritmo qualquer, de bem com a vida e em absoluta paz com a humanidade!
Mais jovens, mais leves, o homem e a mulher de meia idade, acompanharam, com olhos carinhosos, a figura mágica daquele garoto que dobrava a esquina, desaparecendo, feliz, no turbilhão do seu tempo.
As primeiras luzes do Natal, que se avizinhava, principiavam a ser acesas.
Pairou no ar uma certeza marota: — para cumprir sua missão, o velho Noel nem sempre precisa de barbas brancas e pode até se chamar Rodrigo!
Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.
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