segunda-feira, 4 de maio de 2020

Olivaldo Júnior (Meu Reino por um Álcool em Gel!)


(Crônica premiada em 3º Lugar no I Concurso Literário Virtual da ACL – Academia Virtual Contemporânea de Letras – Isolamento Social - Coronavírus)

Toninho era obcecado por sua saúde. Mais especificamente pela falta de saúde da qual poderia ser vítima. Portanto, os amigos o tinham apelidado de “Toninho Drogaria”, pois o cara não saía da farmácia. Era, praticamente, o médico informal da família, o curandeiro-mor da galera, o pajé improvisado da taba, digo, do bairro em que morava. Assim, quando ouviu na tevê que o coronavírus estava de malas prontas para o Brasil, desesperou-se em nível hard.

Baixo, gordo, de cabelos pretos, Toninho era o típico gordinho simpático e, assim que soube do inimigo que o País estava prestes a enfrentar, tratou de se mexer e se informar sobre a origem do perigo, seus sintomas, formas de contágio e táticas de enfrentamento, que, dentre outras, consistia basicamente em evitar abraço, beijo e aperto de mão, assim como lavar as mãos e usar álcool em gel quando as mãos não estiverem propriamente sujas, como proteção.

“Hum... Álcool em gel, eu usava era para acender a churrasqueira...”, pensou com seus botões nosso Toninho. “Preciso estocar esse produto! Vai que... Nunca se sabe!”. Mas o que Toninho não sabia era que, assim como ele, outros brazucas tinham tido essa ideia. A mãe de Toninho, por exemplo, não tinha pensado em estocar álcool, não, mas em estocar comida e produtos de limpeza. Dona Lúcia estava convencida disso. E Toninho só pensava em álcool.

− Mãe, tô saindo para comprar álcool! Quer carona pro mercado?, falou, preocupado, já na porta de casa, para a mãe, que já vinha armada de sacolas, ecobags, em suas mais variadas cores e padronagens, pois a compra seria farta.

− Cê me deixa no Mercado Novo, filho, que eu me viro de voltar de Uber.

− Sussa, mãe. Eu vou comprar todo o álcool que eu puder, hahahahaha!

− De fome, nós num morre, não, filho!

− Nem de falta de álcool, mãe. Eu garanto!

E, ao chegar ao tal mercado, Dona Lúcia, munida de suas bags, viu o que seria chamado de caos, apocalipse, ou fim do mundo, em plena tarde de início de outono. Era um tal de acotovelar o próximo e carregar os carrinhos com tudo o que não fosse imediatamente perecível, a fim de fazer um estoque para a Terceira Guerra Mundial, digo, para a fase de quarentena, que, a julgar por aquelas compras, duraria quarenta meses, ou quarenta “séculos”.

“Acho que eu vou ter trabalho!”, falou para si mesma arregaçando as mangas nossa frágil Dona Lúcia, receosa pelo que aquela simples tarde de compras poderia vir a lhe custar.

Toninho, por sua vez, havia chegado à melhor farmácia da Cidade, a “Beguine Dodói”, que estava tão lotada quanto o mercado. As pessoas estava alucinadas, sem limites.

Assim, ao avistar uma prateleira, no canto esquerdo de quem entra, cheinha de álcool em gel, Toninho se alegrou. Mas, como um filme de Almodóvar, ou algum equivalente, conforme Toninho se aproximava da prateleira, foram surgindo clientes tão afoitos quanto ele em seu caminho, fazendo com que um mero corredor se transformasse num verdadeiro paredão de fuzilamento, num movimento surreal de pessoas que deveriam manter distância.

− Mulheres deveriam ser poupadas dessa fila!, gritou uma senhora, não de idade, mas de roupa de ginástica, toda cheia de si, dondoca dos trópicos.

− E eu, que tenho mais de sessenta?! Quero meu álcool primeiro!, disse o vovô que, com todo o gás que a melhor idade lhe dava, sopapeou dois.

Toninho foi se enervando e, como se fosse um Superman sem capa e sem cueca por cima da calça, com toda a força que um hipocondríaco é capaz de gerar, deu seu “grito do Ipiranga”, seu grito de guerra em busca de paz:

− Um álcool! Um álcool! Meu reino por um álcool em gel!

Shakespeare, nessa hora, se mostrou revitalizado em sua glória, lá no Céu dos Dramaturgos. Uma fala de Ricardo III tinha sido parafraseada por um pobre brasileiro que tudo o que queria era álcool em gel para as mãos.

Tumulto ainda maior. Ninguém demonstrou a menor piedade por ninguém. O alvo era comprar seu frasco de álcool em gel e que se danasse o parceiro.

Dona Lúcia, por sua vez, também se esfalfava ao disputar um saco de arroz com uma vizinha. E, ao contrário de Toninho, Dona Lúcia nem pôde evocar Sir William Shakespeare. 

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Nenhum comentário: