SONETO 038
Árvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;
nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruto debuxando;
que, pois me emprestas doce e idôneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glória,
se não te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memória
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SONETO 091
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certíssimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.
Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.
E se dentro nest'alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.
Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, não quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
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SONETO 096
Bem sei, Amor, que é certo o que receio;
mas tu, porque com isso mais te apuras,
de manhoso mo negas, e mo juras
no teu dourado arco; e eu to creio.
A mão tenho metida no teu seio,
e não vejo meus danos às escuras;
e tu contudo tanto me asseguras,
que me digo que minto, e que me enleio.
Não somente consinto neste engano,
mas inda to agradeço, e a mim me nego
tudo o que vejo e sinto de meu dano.
Oh! poderoso mal a que me entrego!
Que, no meio do justo desengano,
me possa inda cegar um Moço cego!
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SONETO 103
Cantando estava um dia bem seguro quando,
passando, Sílvio me dizia
(Sílvio, pastor antigo, que sabia
pelo canto das aves o futuro):
—Méris, quando quiser o fado escuro,
oprimir-te virão em um só dia
dois lobos; logo a voz e a melodia
te fugirão, e o som suave e puro.
Bem foi assi: porque um me degolou
quanto gado vacum pastava e tinha,
de que grandes soldadas esperava;
E outro por meu dano me matou
a cordeira gentil que eu tanto amava,
perpétua saudade da alma minha!
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SONETO 116
Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farão? Quem mo diria?
Se porventura estarão em mim cuidando?
Se terão na memória, como ou quando
deles me vim tão longe de alegria?
Ou s'estarão aquele alegre dia
que torne a vê-los, n'alma figurando?
Se contarão as horas e os momentos?
Se acharão num momento muitos anos?
Se falarão co as aves e cos ventos?
Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausência, tão doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!
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SONETO 120
Cá nesta Babilônia, donde mana
matéria a quanto mal o mundo cria;
cá onde o puro Amor não tem valia,
que a Mãe, que manda mais, tudo profana;
cá, onde o mal se afina, e o bem se dana,
e pode mais que a honra a tirania;
cá, onde a errada e cega Monarquia
cuida que um nome vão a desengana;
cá, neste labirinto, onde a nobreza
com esforço e saber pedindo vão
às portas da cobiça e da vileza;
cá neste escuro caos de confusão,
cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!
Fonte:
Luís Vaz de Camões. Sonetos. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro.
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