sexta-feira, 15 de maio de 2020

Cecy Barbosa Campos (Visão Praiana)


Sentada no degrau superior da escada de cimento que levava do calçadão à areia da praia, Marlise contemplava o mar, absorta na alternância das águas, ora azuis, ora verdes, mais claras ou mais escuras, conforme o brilho do sol que se projetava sobre elas.

O movimento contínuo que afastava as ondas, lançando-as no horizonte, era imediatamente seguido pelo retorno, quando elas estendiam seus braços de espuma sobre a areia parecendo querer abraçar os banhistas retardatários que naquele fim de tarde, comemoravam mais um dia de labuta com um refrescante mergulho.

Foi assim que Marlise o viu pela primeira vez; voltava correndo da água, com o corpo molhado e o cabelo, um pouco longo, respingando gotículas quando ele sacudia a cabeça. Ao passar por ela o rapaz notou que, descuidado com os movimentos que fazia, lançara-lhe água e com um sorriso um pouco sem graça, pediu-lhe desculpas por ter-lhe dado um banho involuntário. É claro que a moça aceitou as desculpas e quase agradeceu o acontecido.

Percebendo a receptividade da acolhida, o banhista sentou-se no mesmo degrau, ao lado dela, e entabularam uma animada conversa. Entretanto, após alguns minutos, alegando ter deixado seu terno, sapatos e pasta num bar em frente, o rapaz apressou-se na despedida e atravessou a rua sem pedir o telefone de Marlise nem deixar o seu, para que ela se comunicasse com ele.

Frustrada em sua expectativa, a moça ficou ali mais algum tempo e depois decidiu-se a voltar para o apartamento que dividia com duas amigas.

Lá chegando contou sobre o encontro que tivera com aquele "deus grego". Garantiu que, os breves momentos e as poucas palavras que trocaram tinham sido suficientes para que ela tivesse a certeza de que ele era o homem de sua vida, embora não tivesse indícios de que ela fosse a mulher da vida dele.

As amigas riram e fizeram muitas brincadeiras a respeito da sua timidez. Ela deveria ser mais ousada e, é claro, deveria ter imediatamente pedido o número do celular daquele homem maravilhoso.

A partir daquela tarde, Marlise passou a ir, quase diariamente, no mesmo horário, ao mesmo local da praia, sentando-se no mesmo degrau, fingindo fazer a sua contemplação do pôr do sol. Na verdade, agora ela observava os banhistas e os transeuntes que se aproximavam daquele bar onde ele dissera guardar suas roupas.

Depois de algumas semanas ela já vivia uma obsessão. A lembrança do rapaz, sacudindo seus cabelos molhados a perseguia e ele lhe aparecia até em sonhos. Prejudicava a sua concentração no trabalho e fizera dela uma companhia enfadonha até para as amigas que já estavam cansadas de ouvir falar num indivíduo que nunca aparecia e que elas brincavam ter sido uma visão!

Finalmente um dia, impetuosamente, Marlise tomou uma decisão. Após breves instantes sentada em seu posto de observação, levantou-se e, com passos firmes, dirigiu-se ao bar mencionado. Sentou-se a uma das mesas, pediu um suco e começou a examinar o ambiente. Naquele horário o local ainda estava relativamente vazio e foi fácil verificar que seu amado não estava entre os fregueses. De repente, seus olhos se encontraram com os de um dos garçons que, rapidamente, desviou o olhar. Em um segundo Marlise reconheceu o seu "deus" da praia, embora ele estivesse bem diferente do que lhe parecera anteriormente, com os cabelos para trás, fixados pelo gel.

Ela também fora reconhecida pois o garçom não manteve os seus olhos nos dela, possivelmente constrangido por ter tido a sua mentira descoberta.

Decepcionada, não pela ocupação do rapaz, mas pela intenção dele de aparentar uma situação diferente da realidade, Marlise tomou lentamente o suco enquanto pensava em sua própria imaturidade. Sorrindo para si mesma, sentiu-se parodiando Proust: ter ficado parada no tempo alimentando uma ilusão e sonhando com alguém que, afinal, nem era o seu tipo!

Fonte:
Rozelia Scheifler Rasia, Alba Pires Ferreira, Ilda Maria Costa Brasil (org.). Coletânea Enigmas. Porto Alegre/RS: Alternativa, 2012.

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