O jantar de confraternização já está marcado para a próxima quarta. Avisei que não iria e vieram falando de falta de coleguismo, o ano todo juntos, e me convenceram. Mas se for igual ao de sempre, e tenho certeza que será, vão se arrepender.
O Dilermando, depois de uns pileques, dará umas piscadinhas para a Clotilde, que corresponderá com um sorriso disfarçado e aceitará sua oferta de carona. Eu já estou com o celular do noivo dela, para avisar, assim que saiam, que espere a chegada dos dois e vou insinuar que não tenha pressa, pois do jeito que saíram melosos, vão demorar um bocado.
O patrão com certeza fará seu discurso e nos presenteará com aquele vinho. Assim que receber vou falar: "De novo esta porcaria. O ano passado me deu uma ressaca..." Quero ver a cara dele.
Edilei, vai ficar com aquela sua alegria costumeira e lá pelas tantas começará a dançar com todo mundo. Já avisei para minha mulher: "Conheço bem o tipo. Se você se atrever a dançar com ele, como no ano passado, vão levar uns sopapos os dois." De qualquer forma, seja com quem o pé-de-valsa estiver dançando, vou ficar falando: 'Aperta menos Edilei."
Vou ser o último a sair e, no dia seguinte, com todos sóbrios, vou contar tintim por tintim tudo o que aconteceu com cada qual.
Em casa, já começaram a chegar os cartões de natal, até do banco, me desejando felicidades. Que contra-senso. Será que esqueceram que são eles os culpados de fazer meu nome virar o século no SPC?
Minha sogra já avisou: 'A noite do Natal vai ser lá em casa." Nem precisava, sempre foi e sempre será. Meus sobrinhos e também meus filhos estarão naquela gritaria e aquele som nas alturas. Meu cunhado de pileque desde cedo e com umas conversas sem lógica. A mulher estará de cara emburrada e reclamando da vida. Minha sogra querendo que a gente coma mais e mais. Aquele namorado da minha sobrinha vai querer novamente fazer chuva de champanhe. E eu vou ficar bem do lado para lhe aplicar um tabefe. A Laurinha vai beber legal e ficará dando risadas escandalosas, enquanto a Gertrudes, sem deixar a coxa do peru, ficará chorando e lembrando de quem não tem o que comer. Fazendo fita, de novo. O marido da minha cunhada estará soltando rojões e insistindo para que todos saiam para ver. E, com certeza, estará novamente brigando com ela e afirmando que não tem perigo nenhum o filho de doze anos soltar um foguete. Ele garante.
Dessa vez, eu vou ficar bem lúcido e falar as verdades pra todo mundo: "Não quero ouvir suas bobagens"; "vou comer só isto e pronto"; "não acha que você está alegre demais não, caboclo?"; "Pare com essas risadas horríveis"; "Deixa de cena"; "Neste fogo, tu não cuida nem de ti, quanto mais..."; "Que feliz Natal, que nada, você sempre quis me ferrar". Pena que aquela, sobrinha esnobe vai estar em viagem com o noivo. Paciência.
Olha amigo, não me venha com conversas de que estou assim por estresse, excesso de trabalho, porque meu médico me falou isto a semana passada e o seu olho ainda continua roxo.
Fonte:
Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000.
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