Havia um pai que tinha três filhos. Um deles plantou um pé de laranjeira, outro um pé de limeira, e o terceiro um pé de limoeiro.
Lá num dia, o filho mais velho foi ao pai e lhe disse:
— Meu pai, eu já estou moço feito. Quero sair pelo mundo para ganhar a minha vida.
O pai o aconselhou para não fazer aquilo, mas o moço insistiu e afinal o velho lhe disse:
— Pois bem, meu filho, vai, mas tu que queres: a minha bênção com pouco dinheiro, ou a minha maldição com muito?
O moço respondeu que queria a maldição com muito dinheiro e assim o pai fez. O moço disse aos irmãos que quando a sua laranjeira começasse a murchar, era ele que estava em trabalhos e lhe acudissem. Partiu.
Chegando adiante, já muito cansado e com muita fome, avistou uma fumacinha ao longe e para lá se encaminhou. Era a casa de uma senhora muito rica. Pediu um agasalho e o que comer. A senhora mandou dar-lhe de jantar.
Acabada a janta, o convidou para dar um passeio em sua horta. Antes de chegar a ela, tinha de passar um riachinho. Aí a moça, que era a princesa roubadeira, suspendeu bastante o vestido a ponto de deixar ver um tanto das pernas. Passeavam na tal horta, que só tinha couves e mais nada. De volta, a princesa perguntou ao hóspede:
— Então, o que achou mais bonito na minha horta?
Ele respondeu:
— Couves.
A moça convidou-o depois para o jogo, no qual lhe ganhou todo o dinheiro que levava. Acabado o jogo, mandou-o prender e sustentar de couves.
Lá em casa do moço, a sua laranjeira começou a murchar. O irmão do meio, vendo isto, foi ao paí e disse:
— Meu pai, meu irmão está em trabalhos. Eu quero ir atrás dele.
O pai custou muito a consentir e afinal perguntou:
— Tu o que queres: a minha bênção com pouco dinheiro ou a minha maldição com muito dinheiro?
Ele quis a maldição com muito dinheiro. O pai assim fez. O moço partiu.
Depois de andar muito, já cansado e com fome, avistou ao longe uma fumacinha e caminhou para ela. Apareceu-lhe, num palácio, uma linda moça, a qual ele pediu de comer e um agasalho. Ela mandou-o entrar e servir-lhe de jantar. Depois convidou-o para dar um passeio na horta e ele aceitou. Ao passar o riachinho a princesa suspendeu os vestidos, deixando ver as pernas. De volta, ela perguntou ao hóspede:
— Então, o que viu de mais bonito em minha horta?
Ele respondeu:
— Couves.
Lá consigo a moça disse: "Este é como o outro". Convidou-o para jogar. Ganhou-lhe todo o dinheiro e mandou-o prender e cevar de couves.
Lá na casa dele a limeira começou a murchar, e o irmão mais moço, vendo isto, foi ao pai e disse-lhe:
— Meus irmãos, que foram ganhar a vida, estão em perigo e eu quero ir ao seu encontro.
O pai observou:
— Meu filho, eu já estou velho, e sendo tu o meu filho único, não te vás também embora.
O moço insistiu e o pai lhe falou:
— Então o que queres: minha maldição com muito dinheiro ou minha bênção com pouco?
O filho respondeu:
— A bênção com pouco dinheiro.
Partiu. Chegando bem longe, encontrou uma velhinha, que era Nossa Senhora, que lhe disse:
— Aonde vai, meu netinho?
Ao que respondeu:
— Vou ganhar a minha vida.
A velha lhe deu uma toalha, dizendo:
— Quando tiveres fome, pega nela e diz: "Põe a mesa, toalha!" e a mesa aparecerá.
Deu-lhe mais uma bolsa, dizendo:
— Esta bolsa tem o mesmo préstimo.
Deu também uma violinha, dizendo:
— Quando se acabar a toalha e a bolsa, põe-te a tocar nela e não hás de ter fome.
O moço seguiu o seu caminho. Ao longe avistou uma fumacinha e dirigiu-se para lá. Foi ter a uma casa onde estavam presos os seus dois irmãos. Aí descansou e jantou. A princesa roubadeira o convidou para dar um passeio na sua horta. O moço aceitou e foram. Ao passar o riachinho, a linda moça levantou os vestidos e mostrou as pernas quase todas. O moço botou os olhos com cuidado. De volta, a princesa perguntou-lhe:
— Então, o que viste mais bonito em minha horta?
— Com licença da senhora, foram as suas pernas.
Lá consigo disse a moça: "Este me serve". Seguiu-se o jogo em que ela lhe ganhou todo o dinheiro e mandou-o prender. Quando chegou a hora de dar de comer aos presos, indo a negra com a comida para ele, não a quis, dizendo:
— Leve lá à sua senhora, que eu não preciso dela.
Pegou na toalha e foi muita comida que apareceu logo. Os presos todos, que eram muitos, e que andavam mortos de fome, comeram a fartar-se e guardaram muita comida. A negra, vendo aquilo, foi ter com a senhora e lhe disse:
— Não sabe, minha senhora?! Aquele preso de ontem tem uma toalha que basta ele pegar nela para aparecer muita comida e da melhor. Só vosmecê é que devia possuir aquela toalha, minha senhora princesa.
A princesa roubadeira disse à negra:
— Vai perguntar se ele a quer vender.
A escrava foi, e o preso respondeu:
— Diga à sua senhora que para ela não é nada. Basta que me deixe dormir uma noite na porta do quarto dela do lado de fora.
A escrava levou o recado. A senhora tomou aquilo por grande desaforo, mas a negra lhe disse que não desse atenção àquilo, que não queria dizer nada e ela ficaria com a sua toalha. No dia seguinte, ao levar o almoço, não o quis, e puxou pela bolsa e foi comida por cima do tempo. A negra, que via aquilo, correu e foi contar à senhora:
— Não sabe, princesa minha senhora?! O preso está terrível. Puxou agora por uma bolsa que só vosmecê possuindo... É melhor que a toalha.
A ambiciosa mandou oferecer compra pela bolsa. O preso lhe mandou dizer que para ela não era nada. bastava deixá-lo dormir no seu quarto do lado de dentro, junto da porta. A roubadeira ficou muito insultada e pôs-se a rosnar. Foi preciso que a escrava lhe dissesse:
— Ô xente! minha senhora, que mal faz? Vosmecê dorme em sua cama e aquele tolo lá no chão.
Fez-se o negócio e o maganão dormiu dentro do quarto da princesa. No dia seguinte, indo a negra levar o almoço, ele puxou pela viola e pôs-se a tocar e todos os presos a dançar, e a negra largou os pratos no chão e pôs-se também a dançar, e demorou-se muito, a ponto da roubadeira mandar chamar a negra, admirada daquela demora. A preta lhe respondeu:
— Minha senhora, aquele preso está com o diabo. Tem agora uma violinha que só vosmecê possuindo...
A princesa mandou logo oferecer dinheiro por ela; o preso não quis, dizendo:
— Esta... só se ela casar comigo!
A negra foi dar o recado. A moça arrufou-se, mas afinal consentiu e casou-se. Depois disto todos os presos foram soltos. Houve muita festa. Eu lá estive (diz a narradora) e trouxe uma panelinha de doce, que caiu ali na ladeira.
Entrou por uma porta
Saiu por um canivete
Manda o rei, meu senhor
Que me conte sete.
Fonte:
Sílvio Romero, Folclore brasileiro; cantos e contos populares do Brasil. RJ: José Olympio, 1954.
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