Certo dia Sua Majestade o Leão deu uma festa e para a mesma convidou todos os outros bichos. O pagode devia começar aos primeiros albores do dia e os convidados a essa hora já deveriam estar presentes.
A festa era de arromba, a mais bonita de quantas havia notícia até aquela data. Quando chegou o dia marcado, nenhum dos bichos teve sossego. É que nenhum queria faltar ao convite, muito menos perder a hora.
Ao clarear do dia, o rei dos animais já tinha a casa cheia. Uma multidão. Nenhum dos convidados faltara, a não ser mestre Galo. Ele se esquecera inteiramente do convite.
Notando a sua ausência, Sua Majestade enfureceu-se, achou que aquilo era pouco caso, não tinha desculpa e mandou uma escolta de dois gambás para trazer o galo à sua presença.
Quando os gambás entraram no galinheiro, foi um salve-se quem puder; a galinhada saltou dos poleiros e se pôs a esvoaçar pelo rancho, a cacarejar que nem maluca. Mestre Galo acordou, espreguiçou~se e não atinou com aquilo.
Um gambá falou:
— Viemos buscar-te, seu tratante, por ordem de Sua Majestade. El-rei Leão dá-te a honra de um convite para a maior festa do mundo e ficas a dormir.. .
O galo coçou a cabeça:
— Ah! É verdade! Esqueci-me, perdi a hora!
— Pois por isso mesmo estás pegado para Judas. Outra vez, darás um nó na crista, para não esqueceres, ..
— Perdão, camaradas! Não me levai para lá! Que desejará fazer de mim Sua Majestade?...
— Ainda perguntas! Comer-te, se tamanha honra te der, caso não queira entregar-te aos gambás, a fim de que nós demos cabo de ti!
E dizendo isso, um dos gambás foi destroçando toda a família de mestre Galo, sem deixar uma cabeça na extremidade de cada pescoço. Os gritos aumentaram e as penas
esvoaçaram no interior do rancho.
O galo chorava, maldizia-se, mas em vão. Ordenou-lhe:
— Vamos! Para a presença de Sua Majestade!
Mestre Galo não teve outro remédio senão seguir na frente, mas cabisbaixo e jururu. Chegados ao palácio do leão, a escolta e o preso foram ter à presença de Sua Majestade, que soltou um urro de raiva;
— Patife! Galo de uma figa! Com que então ousaste desobedecer ao meu real convite, não te apresentando à hora marcada para a minha festa? Pois vais pagar caro esse atrevimento.. .
— Saiba Vossa Majestade que não foi por querer, mas por lamentável esquecimento. Perdão! Eu me ajoelho aos pés do meu rei!
— Tens o que se chama memória de galo, cabeça de vento. Ia dar-te a morte, mas como te humilhaste, e para não perturbar a alegria da minha festa, vou comutar a pena. Daqui para diante, como castigo do teu esquecimento, não dormirás depois da meia-noite. Dormirás ao pôr do sol e acordarás logo depois. À meia-noite, cantarás, às duas amiudarás e ao surgir do dia cantarás ainda, dando sempre sinal de que estás alerta. Se dormires, se não cantares nas horas indicadas, tu com tua família correrás o risco de ser comido pelos animais inimigos de geração tão indigna. Assim não esquecerás mais e ficará punida tua vil memória!
* * *
Mestre Galo sentiu-se muito contente com a solução e, para não se esquecer de que havia de cantar à meia-noite, cantou também ao meio-dia. Dessa data em diante, passou a cumprir o seu fado, cantando pela madrugada a fora, por ter desatendido a um convite do monarca. E quando canta, fecha os olhinhos, fazendo força para não se esquecer de que tem de cantar outra vez, e canta de dia para se lembrar de que há de cantar de madrugada.
Fonte:
Anísio Mello (org.). Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. São Paulo. Ed. Iracema.
A festa era de arromba, a mais bonita de quantas havia notícia até aquela data. Quando chegou o dia marcado, nenhum dos bichos teve sossego. É que nenhum queria faltar ao convite, muito menos perder a hora.
Ao clarear do dia, o rei dos animais já tinha a casa cheia. Uma multidão. Nenhum dos convidados faltara, a não ser mestre Galo. Ele se esquecera inteiramente do convite.
Notando a sua ausência, Sua Majestade enfureceu-se, achou que aquilo era pouco caso, não tinha desculpa e mandou uma escolta de dois gambás para trazer o galo à sua presença.
Quando os gambás entraram no galinheiro, foi um salve-se quem puder; a galinhada saltou dos poleiros e se pôs a esvoaçar pelo rancho, a cacarejar que nem maluca. Mestre Galo acordou, espreguiçou~se e não atinou com aquilo.
Um gambá falou:
— Viemos buscar-te, seu tratante, por ordem de Sua Majestade. El-rei Leão dá-te a honra de um convite para a maior festa do mundo e ficas a dormir.. .
O galo coçou a cabeça:
— Ah! É verdade! Esqueci-me, perdi a hora!
— Pois por isso mesmo estás pegado para Judas. Outra vez, darás um nó na crista, para não esqueceres, ..
— Perdão, camaradas! Não me levai para lá! Que desejará fazer de mim Sua Majestade?...
— Ainda perguntas! Comer-te, se tamanha honra te der, caso não queira entregar-te aos gambás, a fim de que nós demos cabo de ti!
E dizendo isso, um dos gambás foi destroçando toda a família de mestre Galo, sem deixar uma cabeça na extremidade de cada pescoço. Os gritos aumentaram e as penas
esvoaçaram no interior do rancho.
O galo chorava, maldizia-se, mas em vão. Ordenou-lhe:
— Vamos! Para a presença de Sua Majestade!
Mestre Galo não teve outro remédio senão seguir na frente, mas cabisbaixo e jururu. Chegados ao palácio do leão, a escolta e o preso foram ter à presença de Sua Majestade, que soltou um urro de raiva;
— Patife! Galo de uma figa! Com que então ousaste desobedecer ao meu real convite, não te apresentando à hora marcada para a minha festa? Pois vais pagar caro esse atrevimento.. .
— Saiba Vossa Majestade que não foi por querer, mas por lamentável esquecimento. Perdão! Eu me ajoelho aos pés do meu rei!
— Tens o que se chama memória de galo, cabeça de vento. Ia dar-te a morte, mas como te humilhaste, e para não perturbar a alegria da minha festa, vou comutar a pena. Daqui para diante, como castigo do teu esquecimento, não dormirás depois da meia-noite. Dormirás ao pôr do sol e acordarás logo depois. À meia-noite, cantarás, às duas amiudarás e ao surgir do dia cantarás ainda, dando sempre sinal de que estás alerta. Se dormires, se não cantares nas horas indicadas, tu com tua família correrás o risco de ser comido pelos animais inimigos de geração tão indigna. Assim não esquecerás mais e ficará punida tua vil memória!
* * *
Mestre Galo sentiu-se muito contente com a solução e, para não se esquecer de que havia de cantar à meia-noite, cantou também ao meio-dia. Dessa data em diante, passou a cumprir o seu fado, cantando pela madrugada a fora, por ter desatendido a um convite do monarca. E quando canta, fecha os olhinhos, fazendo força para não se esquecer de que tem de cantar outra vez, e canta de dia para se lembrar de que há de cantar de madrugada.
Fonte:
Anísio Mello (org.). Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. São Paulo. Ed. Iracema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário