Cruzeiro/SP
SONHO DE CRIANÇA
Eu era bem pequena e, em meus pedidos
que fazia, nas horas de orações,
rogava ao Deus que ampara os corações
fosse Ele, ao meu segredo, todo ouvidos!
Suplicava, do céu, as atenções
para os pequenos não compreendidos...
E me via, nos sonhos coloridos,
voando, como em plácidos balões...
Na doce prece que eu, então, fazia,
— tão serena e feliz, eu Lhe pedia
que pudesse o meu sonho realizar!
Criança que era, então — sem compreender,
eu queria uma noite só, viver
entre as nuvens banhadas de luar!
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Marina Tricânico
Piracicaba/SP, ??? – 1989, São Paulo/SP
RECEITA PARA O AMOR
Uma xícara cheia de alegria,
mais outra transbordante de esperança.
Um copo da mais pura simpatia
e uma colher de chá de confiança.
E para equilibrar a caloria,
tempere ao lado, assim esta aliança:
umas gotas, não tanto em demasia,
de malícia, inocência e desconfiança.
Do ciúme, acrescente uma pitada,
que não faz mal em dose limitada.
E um punhado de sonho e de doçura.
Na fôrma do seu rubro coração,
ponha tudo a cozer com devoção,
e sirva em taças quentes de ternura.
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Miguel Russowsky
Santa Maria/RS, 1923 – 2009, Joaçaba/SC
ARREPENDIMENTO
Um por um, os meus sonhos nesta vida,
despi no andar do tempo modorrento,
qual árvore esfolhada pelo vento
numa tarde outonal, entristecida.
Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida
à procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento,
destroços de minha alma enrijecida.
E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
tropeço em meus pedaços pela estrada,
com saudosa visão aqui e ali.
Não mais me iludo, e essa descrença atesta
que passarei o tempo que me resta
recolhendo os pedaços que perdi.
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Nicolino Ferrari
Cruzeiro/SP, 1910 – 2004
TARDE DE AGOSTO
Tarde morna de agosto. O céu, como um sudário,
parece de tristeza e de saudades feito.
Geme, distante, bem distante, um campanário...
Que hora de funda mágoa a nos cruciar o peito!
Estende-se à amplidão o olhar insatisfeito,
além, de aves vislumbra um bando solitário...
No ocaso, o rubro sol, em seu mortuário leito,
e um rubi jamais visto, imenso, extraordinário!
Nem sequer do arvoredo a esmaecida coma
balouça a brisa mais sutil e, em mansuetude,
adormece a floral campina policroma.
Avança, agora, a noite em sua plenitude...
E, das trevas quebrando as algemas, assoma
a merencória lua espiando num açude!
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P. de Petrus
São Paulo/SP, 1920-1999
A LAGOA
Ia, às tardes, pescar, nos tempos de menino,
na lagoa esverdeada, e juntinho à Olaria,
onde eu mirava o Sol, que tristonho descia,
e, da Igrejinha, ouvia o bimbalhar do sino.
Alheio à própria vida, alheio ao meu destino,
eu pescava e, feliz, eu cantava, eu sorria,
e regressava ao lar, quando já escurecia,
carregando ilusões no meu peito franzino...
O Tempo foi passando! E fui crescendo, tanto!
Hoje, a Saudade quis que derramasse o pranto,
ao voltar à lagoa — em que um jovem brincou.
Quanta amargura envolve a paisagem de agora:
ainda é a mesma a lagoa esverdeada de outrora,
e o menino, meu Deus, quanto, quanto mudou!...
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Petrarca Maranhão
Manaus/AM, 1913 – 1985, Petrópolis/RJ
ALUMBRAMENTO
Sempre se há de encontrar consolo na Esperança,
e se há de achar encanto e graça, cada dia,
num vulto de mulher, num riso de criança,
na finura feliz das frases de ironia...
Na vida, há fontes sãs e puras de Poesia,
golfos, ilhas... visões divinas de bonança,
onde pode extasiar-se, arfante de alegria,
a alma estuante de sonho e ardente de pujança!
Há, dispersos pelo ar, sublimes de Beleza,
mil poemas de Deus, na imensa natureza,
no sol, no mar, no céu, na luz, no som, na cor!...
E há de sempre existir uma nova ilusão,
para quem bem souber buscar inspiração
nas paragens azuis e olímpicas do Amor!...
Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
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