sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Leandro Bertoldo Silva (A moça fantasma)

Há muitos anos existia uma mulher tão linda que fazia estremecer de inveja as ricas filhas dos homens mais ricos da recém-fundada Belo Horizonte. Eu disse “filhas”? Não somente elas, mas as mães também. Estamos no ano 1899, mais precisamente no dia 1º de janeiro, na inauguração de uma das entidades recreativas mais auspiciosas da nova capital — o clube Rose, no Palácio da Liberdade, sob os cuidados de D. Ester Brandão, nada menos do que a primeira dama do Estado e, portanto, a esposa do presidente Silviano Brandão. Que festa! Belo Horizonte acabava de completar o primeiro aniversário.

A causadora de tanta inveja chamava-se Magnólia, outros a conheciam Jasmine, pela semelhança alva que possuía. De qualquer forma era mesmo uma flor cândida e pura. Não me alongarei na descrição da adorável criatura, basta saber que sua beleza cegava os homens de tal maneira que não importava serem casados. Eram atraídos como ímãs e perdiam a noção do espaço e do tempo, o que causava óbvios constrangimentos às senhoras. Na festa, até mesmo as melhores artistas de então, justamente por serem mulheres, ficavam incomodadas em perder a majestade da presença. Ora, o que valia a “Serenata”, de Schubert, até mesmo "Fantasie-Impromptu", de Chopin ou "Dance des Sylphes", de Berlioz tão bem executadas pelas artistas? Nada disso apagava o brilho de Magnólia (ou Jasmine).

Vale lembrar que a capital, com pouco mais de um ano, tinha uma população ainda muito escassa, aumentando sobremaneira a fama de Jasmine (ou Magnólia), e o ciúme das senhoras, filhas e artistas da cidade já estavam à flor da pele. Então concluíram: Era preciso que a moça se mudasse dali, ou qualquer outra coisa que lhe fizesse desaparecer. Porém, demitir a moça de seus serviços domésticos e festivos não diminuiria sua atração ao passear pelas ruas. Fazia-se necessária uma atitude mais drástica como o caso exigia. Calma lá! Nada de violência... Isso não fazia o feitio das senhoras, donzelas e moças casadoiras da sociedade que se iniciava na capital mineira. Mas uma coisa seria a vingança perfeita: ela que cegava os homens com a sua beleza incutindo-lhes desejos e, por isso mesmo, poderia ter o namorado, noivo e esposo que quisesse, ficaria impedida de amar quem quer que fosse. Mas como? 

Bem, como dito, a população era pequena e qualquer coisa que se fizesse ficaria logo à vista de todos. Era preciso uma ocasião propícia. E ela veio: O carnaval!

Nos primeiros anos do século passado, essa festa era uma das principais realizações de rua da cidade, em que um préstito com pomposos carros de tração animal, ricamente decorados, desfilavam pelas ruas centrais da cidade, para alegria das famílias que faziam verdadeiras batalhas de confetes e atiravam das janelas das casas flores e serpentinas. Era uma grande festa, ideal para o intento de um grupo de senhoras que necessitavam que todos, principalmente os maridos, estivessem entretidos com o alarido. Nesse dia, o cortejo partiu do barracão do Congresso. Essa casa legislativa situava-se entre a rua da Bahia e a rua Tupis e a avenida Afonso Pena. O barracão referido ficava nos fundos desse prédio, lugar perfeito para atrair a moça sem riscos de serem vistas tão logo a festa ia adiante. Uma das senhoras, com a desculpa de pedir Jasmine para ir ao barracão buscar mais serpentinas, providenciou que as outras já estivessem lá quando da chegada da moça. Foi a última vez que Jasmine ou Magnólia, seja como for, fora vista, para o lamento dos homens e felicidade das mulheres... 

A moça, mantida presa nesse barracão, fora transferida na quarta-feira de cinzas para um outro cárcere ao pé da Serra do Curral, de onde só saía a noite, sem mais ter o direito de ver a luz do dia. Inocente e obediente — e não se sabe por qual razão — voltava sempre antes dos primeiros raios da manhã, de forma que toda a sua formosura foi se misturando com o negrume da noite até que a morte veio selar seu destino: tornou-se aquela que, por falta de amar e sendo filha da solidão, descia em branco desespero as mediações do bairro dos Funcionários, pois fora ela uma funcionária obediente e infeliz, a recolher os amores nascidos na iminência de se separarem para nunca mais se encontrarem. Era mesmo, como disse Carlos Drummond de Andrade: "um vapor que dissolve quando o sol rompe na Serra".

É por isso que até hoje quem passa pelo bairro dos Funcionários em madrugadas sem neblina sente, vindo do sopé da Serra, o rastro frágil e hesitante da Moça Fantasma em um aroma característico de dama-da-noite, às vezes jasmim outras vezes magnólia, a perfumar os amores perdidos...
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Pois é... Arthur Azevedo, durante sua viagem a Minas Gerais, por volta de 1902, já dizia: “Ao lado do brilho, os detritos. As ruínas de uma dúzia de velhos bairros se amontoavam no chão. Para onde iria toda essa gente?” E assim, Belo Horizonte é conhecida como a capital dos fantasmas: o Avantesma da Lagoinha, a Loira do Bonfim, Maria Papuda e tantos outros; inclusive, a Moça Fantasma que trago aqui nessa história 

Com um tantinho assim de que quem conta um conto aumenta um ponto.... A propósito, você já viu ou conhece alguém que tenha visto algum deles? Eita... Diz aí!

Fonte: Árvore das Letras. Enviado por email pelo autor.

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