quinta-feira, 5 de maio de 2011

Vicência Jaguaribe (Chuva de Verão)


São coisas de momento
São chuvas de verão
(Chuvas de verão. Fernando Lobo.)


O doutor saiu da sala de cirurgia e foi para casa. Graças a Deus terminara tudo em paz! Ele é que não estava nada bem. A jovenzinha que operara em uma cirurgia de emergência lembrou-lhe aquela outra jovem. A que ficara no passado, mas que, de tempos em tempos, batia no portão de suas lembranças, pedindo para emergir. E, às vezes, ele não podia impedi-la. E ela saía, e conversava com ele, e soltava sua risada alegre e descontraída. Naquele dia, ela estava impossível, indomável. Apareceu e sentou-se a seu lado no carro, obrigando-o a reviver o passado.

Férias. Férias de verão. Férias de verão na praia. O encontro planejado às escondidas. Dois adolescentes. Pareciam tão ingênuos os dois! Tão dispostos a darem certo! Tão apaixonados!

O forró na vila dos pescadores, iluminado pelos candeeiros e pela luz da lua. E os dois sentados lá fora. Não, não queria dançar, não queria participar daquele divertimento que os levaria ao contato com outras pessoas. Queria ficar sozinho com ela. Tendo somente um a companhia do outro.

O mar, um líquido facho de luz concentrado, importado lá de cima, parecia espalhar claridade nos espaços abertos e insinuar-se nas grotas e cavernas. Eles desceram para a praia e sentaram na jangada, que esperava o tempo necessário ao descanso do pescador, preparando-se para levá-lo ao mar no dia seguinte.

E ficaram lá, de mãos dadas, olhando o movimento das ondas, ele entregando a ela seus sonhos e planos de futuro. Arrancaram-no do êxtase amoroso os chamados do pai dela. Entreolharam-se. Sabiam que correriam perigo se fossem encontrados juntos e sozinhos. Mandou-a correr e entrar na sala do forró. Ele ficaria ali. Assim, o pai dela pensaria que os dois não estavam juntos.

A aproximação do homem o fez estremecer. Ou foi a rajada de vento mais fria que levou todo mundo a encolher-se? O que ele fazia ali sozinho? Onde estava a sua filha? Vamos, falasse logo! Dissesse alguma coisa! O garoto respondeu que a tinha visto no salão do forró, dançando com o irmão. Descera sozinho fazia algum tempo. Não sabia onde ela estava naquele momento.

O homem subiu. Olhou entre os que dançavam. Perguntou aos conhecidos. Nada. Foi a casa. Ela não havia chegado. Uma chuva inesperada, grossa e rápida – chuva de verão – mandou os dançantes para casa. E o pai esperou a chuva parar. Pegou a lanterna e foi procurá-la. Quando desceu, o garoto não estava mais na jangada. Toda a praia era um deserto iluminado pelo luar. O homem andou para um lado, andou para o outro, jogando a luz da lanterna nos recantos e nas grotas. Quando viu que não a encontraria sozinho, pediu a ajuda dos pescadores conhecidos. E formaram-se dois grupos, que a procuraram por toda a redondeza.

O homem deparou com a mulher, já desesperada. Ela não aparecera ainda. Procurou o rapaz e encontrou-o em casa, certo de que ela estava na segurança da família. Acusou-o do desaparecimento da filha. Jurou que o entregaria à Polícia. O pai do rapaz interveio e com o filho integrou os grupos de busca.

Já clareava quando o pai dela resolveu ir à delegacia. Registrou o desaparecimento e deu queixa do rapaz. O delegado passou a coordenar a busca. Antes, porém, chamou o jovem e fez-lhe algumas perguntas. O rapaz parecia sincero. Se acontecera alguma tragédia com a moça, achava, ele não tivera participação.

Eram seis horas quando o delegado mandou todos às suas casas. Tomassem café. Estivessem reunidos às oito horas, e reiniciariam as buscas.

Não foi necessária mais nenhuma busca. Quando o pai dela se aproximou de casa, viu um carro parado. Ainda conseguiu vislumbrar o beijo cinematográfico que o motorista deu na sua filha. Abriu a porta do carro e arrancou-a de dentro de veículo. Olhou para o homem e percebeu que ele tinha quase a sua idade. Segurou-o pela gola da camisa, mas teve de soltá-lo, pois o carro arrancara.

Deus! A sua menina havia sido seduzida por aquele velho! Seduzida!? Ponderou: seduzida, talvez não. E ele, preocupado com o namoro dela com o garotão! Puxando-a pelo braço, obrigou-a a entrar em casa. Forçou-a a falar. E ela revelou tudo: desde o início das férias encontrava-se com aquele homem. Estava apaixonada por ele, que queria casar com ela. E o garotão? Era só fachada. Não queria que a família soubesse. O pai não teve condições de aplicar-lhe umas boas lapadas de cinturão, como desejava, nem de continuar a conversa. Sentiu forte dor no peito e foi levado ao hospital daquela cidadezinha de veraneio, de onde o transferiram para a capital.

O garoto soube de tudo pela empregada da família. Sofreu, mas não mais a procurou. Nem precisava. Por todos aqueles anos ela instalou-se em sua memória. Ele formou-se, casou-se, teve filhos, vivia bem com a mulher, mas a hóspede inoportuna continuava ocupando um espaço precioso em sua vida.

O doutor olhou para o banco do passageiro e lá estava ela. Quando pôs o carro na garagem e entrou em casa, ela recolheu-se a seu espaço secreto, onde ficaria quieta e comportada, até que algum acontecimento, alguma pessoa, alguma música, algum perfume o levassem a convidá-la a sair. Ou ela mesma impusesse sua vontade de expor sua figura impertinente.

Fontes:
Conto enviado pela autora
Imagem = http://www.mariazinhas.blogger.com.br

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