Na corrida Peninha cruzou com o burro, que também ia fugindo, e pulou-lhe no lombo. Isso fez que os outros ficassem para trás e se perdessem no mato. Sem o Peninha para guiá-los, andaram, andaram às tontas e por fim entraram sem o saber no país dos macacos. Assim que transpuseram as fronteiras desse reino, vários guardas lhes caíram em cima e os enlearam com cipós. Em seguida os levaram à presença de Sua Majestade Simão XIV, que os cortesãos chamavam o Rei Sol, porque quando Simão aparecia todas as caras se iluminavam de sorrisos.
— Majestade — disse um dos guardas — aqui trazemos à Vossa Sublime Presença estes quatro viajantes que estavam atravessando as fronteiras sem passaporte.
— É mentira, senhor rei! — berrou Emília. — Eu tenho passaporte, sim. Olhe aqui — e abrindo a canastrinha, sempre nas costas do Visconde, tirou de dentro o célebre alfinete de pombinha. — Este é o meu passaporte.
O Rei-Sol examinou com a maior atenção aquele objeto para ele desconhecido, pois nunca vira nem alfinete simples, quanto mais de pombinha. Depois disse:
— O passaporte adotado no meu reino é uma banana-ouro, mas como sei que outros povos usam outros passaportes, aceito como válido este que esta senhora apresenta. Podem soltá-la.
Os guardas começaram a desamarrar Emília. Enquanto isso Pedrinho achou jeito de lhe dizer na linguagem do P, que os macacos não entendem:
— Apavipisepe Pepenipinhapa quepe espestapamospos naspas upunhaspas despestapa hoporrenpendapa mapaca-pacapadapa. (Avise Peninha que estamos nas unhas desta horrenda macacada.)
— Simpim — respondeu Emília disfarçadamente, e mal se pilhou livre raspou-se, muito tesinha, sem olhar para trás.
Em seguida Narizinho foi trazida à presença do real come bananas.
— Senhorita — disse ele — embora seja um crime entrar no meu reino sem licença, ouvirei de bom grado as suas explicações. Sou um rei magnânimo, mais amigo de premiar do que de castigar. Diga-me, quais são as suas impressões sobre a minha corte?
A menina correu os olhos em redor e só viu macacos e macacas, cada qual mais peludo e feio. Mas era esperta. Compreendeu que se dissesse a verdade teria de pagar caro. O melhor seria fingir-se encantada e só dizer coisas agradáveis aos ouvidos daquela horrenda bicharia. E respondeu:
— Estou maravilhada, Majestade, com a magnificência desta corte! Conheço muitas, tenho visitado muitos reis, como o Rei de Ouros, o Rei de Copas, o Rei de Espadas e outros. Mas nunca vi soberano mais bonito e nobre do que Vossa Majestade! Nem nunca vi damas da corte mais formosas que as presentes! Tão entusiasmada estou com o vosso reino, que nele ficaria morando a vida inteira, se Vossa Majestade o permitisse e vovó concordasse.
Simão XIV lambeu-se de gosto. Apesar de acostumado a só ouvir elogios, nunca tinha saboreado gabos como aqueles. Achou-os ainda mais gostosos do que a melhor banana-ouro.
— Soltem-na incontinenti — ordenou ele — e dêem a essa encantadora visitante a árvore mais alta para morar e o mais gentil macaco para esposo! Ficará residindo aqui, como é seu ardente desejo. Mandarei emissários contar o caso a sua vovó, que certamente vai ficar radiante quando souber da honra insigne que o Rei-Sol acaba de conceder à sua neta.
Narizinho, que não esperava tanto fez uma careta. Mas conteve-se, resignada, na esperança de que Peninha viesse salvá-la. Foi conduzida dali para o alto da sua árvore, enquanto os guardas traziam à presença do rei o Visconde, sempre de canastrinha às costas.
— E você, senhor viajante de cartola e canastra, qual a sua opinião?
O pobre sábio arriou a canastra, sentou-se em cima e enxugou o suor da testa com as costas da mão.
— O que acho? — disse ele depois de tomar fôlego. — Acho que esta canastrinha é muito pesada para um velho doente como eu.
— Não me refiro a nenhuma canastra, seu palerma! Que acha do meu reino? — berrou Simão carregando sobrolhos.
Sempre atrapalhado e esmagado sob o peso da carga, o Visconde não havia podido prestar atenção a coisa nenhuma e portanto não podia achar coisa nenhuma.
— Vossa Majestade me perdoe — disse ele — mas ainda não vi nada, de tão cansado que estou. Deixe-me primeiro tomar fôlego e dormir um sono. Amanhã darei minha opinião mais sossegado.
O rei não gostou nada de semelhante resposta, mas deixou-a passar. Mandou que dormissem o Visconde e trouxessem o último prisioneiro.
Os guardas trouxeram Pedrinho. O menino estava furioso com o que havia acontecido. Se tivesse ali o bodoque, era a bodocadas que responderia às perguntas do macacão. Mas não tinha. Estava de mãos amarradas. Mesmo assim resolveu dizer o que realmente pensava, porque Pedrinho sempre fora um menino de caráter forte, dos que não mentem em caso nenhum. Assim que o rei lhe repetiu aquela pergunta, o menos que pôde dizer foi o seguinte:
— O que acho deste reino ? Não acho coisa nenhuma. Não é reino nenhum. Não vejo rei nenhum. Vejo um macacão, como todos os outros, trepado num galho que ele supõe ser trono. As damas da corte? Macacas. Simples macacas, como todas as macacas do mundo. Tudo macaco! Isto não passa dum grande macacal como os que há em todas as florestas...
— Fora da minha presença, miserável caluniador! – berrou Simão XIV no auge da cólera. — Levem-no, guardas! Amarrem-no a um tronco para ser devorado pelas formigas antropófagas.
O pobre Pedrinho viu-se arrastado dali como se fosse um cacho de bananas.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – X - Peninha não falha
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
— Majestade — disse um dos guardas — aqui trazemos à Vossa Sublime Presença estes quatro viajantes que estavam atravessando as fronteiras sem passaporte.
— É mentira, senhor rei! — berrou Emília. — Eu tenho passaporte, sim. Olhe aqui — e abrindo a canastrinha, sempre nas costas do Visconde, tirou de dentro o célebre alfinete de pombinha. — Este é o meu passaporte.
O Rei-Sol examinou com a maior atenção aquele objeto para ele desconhecido, pois nunca vira nem alfinete simples, quanto mais de pombinha. Depois disse:
— O passaporte adotado no meu reino é uma banana-ouro, mas como sei que outros povos usam outros passaportes, aceito como válido este que esta senhora apresenta. Podem soltá-la.
Os guardas começaram a desamarrar Emília. Enquanto isso Pedrinho achou jeito de lhe dizer na linguagem do P, que os macacos não entendem:
— Apavipisepe Pepenipinhapa quepe espestapamospos naspas upunhaspas despestapa hoporrenpendapa mapaca-pacapadapa. (Avise Peninha que estamos nas unhas desta horrenda macacada.)
— Simpim — respondeu Emília disfarçadamente, e mal se pilhou livre raspou-se, muito tesinha, sem olhar para trás.
Em seguida Narizinho foi trazida à presença do real come bananas.
— Senhorita — disse ele — embora seja um crime entrar no meu reino sem licença, ouvirei de bom grado as suas explicações. Sou um rei magnânimo, mais amigo de premiar do que de castigar. Diga-me, quais são as suas impressões sobre a minha corte?
A menina correu os olhos em redor e só viu macacos e macacas, cada qual mais peludo e feio. Mas era esperta. Compreendeu que se dissesse a verdade teria de pagar caro. O melhor seria fingir-se encantada e só dizer coisas agradáveis aos ouvidos daquela horrenda bicharia. E respondeu:
— Estou maravilhada, Majestade, com a magnificência desta corte! Conheço muitas, tenho visitado muitos reis, como o Rei de Ouros, o Rei de Copas, o Rei de Espadas e outros. Mas nunca vi soberano mais bonito e nobre do que Vossa Majestade! Nem nunca vi damas da corte mais formosas que as presentes! Tão entusiasmada estou com o vosso reino, que nele ficaria morando a vida inteira, se Vossa Majestade o permitisse e vovó concordasse.
Simão XIV lambeu-se de gosto. Apesar de acostumado a só ouvir elogios, nunca tinha saboreado gabos como aqueles. Achou-os ainda mais gostosos do que a melhor banana-ouro.
— Soltem-na incontinenti — ordenou ele — e dêem a essa encantadora visitante a árvore mais alta para morar e o mais gentil macaco para esposo! Ficará residindo aqui, como é seu ardente desejo. Mandarei emissários contar o caso a sua vovó, que certamente vai ficar radiante quando souber da honra insigne que o Rei-Sol acaba de conceder à sua neta.
Narizinho, que não esperava tanto fez uma careta. Mas conteve-se, resignada, na esperança de que Peninha viesse salvá-la. Foi conduzida dali para o alto da sua árvore, enquanto os guardas traziam à presença do rei o Visconde, sempre de canastrinha às costas.
— E você, senhor viajante de cartola e canastra, qual a sua opinião?
O pobre sábio arriou a canastra, sentou-se em cima e enxugou o suor da testa com as costas da mão.
— O que acho? — disse ele depois de tomar fôlego. — Acho que esta canastrinha é muito pesada para um velho doente como eu.
— Não me refiro a nenhuma canastra, seu palerma! Que acha do meu reino? — berrou Simão carregando sobrolhos.
Sempre atrapalhado e esmagado sob o peso da carga, o Visconde não havia podido prestar atenção a coisa nenhuma e portanto não podia achar coisa nenhuma.
— Vossa Majestade me perdoe — disse ele — mas ainda não vi nada, de tão cansado que estou. Deixe-me primeiro tomar fôlego e dormir um sono. Amanhã darei minha opinião mais sossegado.
O rei não gostou nada de semelhante resposta, mas deixou-a passar. Mandou que dormissem o Visconde e trouxessem o último prisioneiro.
Os guardas trouxeram Pedrinho. O menino estava furioso com o que havia acontecido. Se tivesse ali o bodoque, era a bodocadas que responderia às perguntas do macacão. Mas não tinha. Estava de mãos amarradas. Mesmo assim resolveu dizer o que realmente pensava, porque Pedrinho sempre fora um menino de caráter forte, dos que não mentem em caso nenhum. Assim que o rei lhe repetiu aquela pergunta, o menos que pôde dizer foi o seguinte:
— O que acho deste reino ? Não acho coisa nenhuma. Não é reino nenhum. Não vejo rei nenhum. Vejo um macacão, como todos os outros, trepado num galho que ele supõe ser trono. As damas da corte? Macacas. Simples macacas, como todas as macacas do mundo. Tudo macaco! Isto não passa dum grande macacal como os que há em todas as florestas...
— Fora da minha presença, miserável caluniador! – berrou Simão XIV no auge da cólera. — Levem-no, guardas! Amarrem-no a um tronco para ser devorado pelas formigas antropófagas.
O pobre Pedrinho viu-se arrastado dali como se fosse um cacho de bananas.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – X - Peninha não falha
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
Nenhum comentário:
Postar um comentário