Eu vim pra contar a história
Dum – tatu – que já morreu
Passando muitos trabalhos
Por este mundo de Deus
O tatu foi muito ativo
Pra sua vida buscar
Batia casco na estrada
Mas nunca pôde ajuntar
Ora pois, todos escutem
Do tatu a narração
E se houver quem saiba mais,
Entre também na função
- Anda a roda
O tatu é teu;
Voltinha no meio
O tatu é meu! -
O tatu foi homem pobre
Que apenas teve de seu
Um balandrau muito velho
Que o defunto pai lhe deu!
O tatu é bicho manso
Nunca mordeu a ninguém
Só deu uma dentadinha
Na perninha do seu bem
O tatu é bicho manso
Não pode morder ninguém
Inda que queira morder
O tatu dentes não tem
O tatu saiu do mato
Vestidinho, preparado
Parecia um capitão
De camisa de babado!
O tatu saiu do mato
Procurando mantimento
Caiu numa cachorrada
Que o levou cortando vento!
O tatu me foi à roça
Toda a roça me comeu
Plante roça quem quiser
Que o tatu quero ser seu!
O tatu é bicho chato
Rasteiro, toca no chão
Inda mais rasteiro fica
Quando vai roubar feijão
O tatu de rabo mole
Faz guisado sem gordura
Ele é feio mas gostoso
O que lhe falta, é compostura
Depois de muito corrido
Nos pagos em que nasceu
O tatu alçou o poncho
E proutras bandas se moveu
Eu vi o tatu montado
No seu cavalo picaço
De bolas e tirador
De faca, rebenque e laço
Onde vai, senhor tatu
Emtamanha galopada?
– Vou pra Cima da Serra
Dançar a polca mancada! -
O tatu subiu a Serra
No seu cavalo alazão
De barbicacho na orelha
Repassando um redomão
O tatu subiu a serra
Pra serrar um tabuado
Levou mala de farinha
E um porongo de melado
O tatu subiu a Serra
Com ganas de beber vinho
Apertaram-lhe a garganta
Vomitou pelo focinho!
Depois de grande folia
Em que o tatu se meteu
Deram-lhe muito guascaço
E o tatu ensandeceu!
E logo desceu pra baixo
Mui triste da sua vida
Co’a casca toda riscada
De orelha murcha, caída!
O tatu foi encontrado
No serro de Batovi
Roendo as unhas, de fome
Ninguém me contou, eu vi!
O tatu foi encontrado
Pras bandas de São Sepé
Mui aflito e muito pobre
De freio na mão, a pé
O tatu depois foi visto
No serro de Viamão
Com seu lacinho nos tentos
Repassando um redomão
O tatu foi encontrado
Lá nos serros de Bagé
De laço e bolas nos tentos
Atrás dum boi jaguané!
O tatu foi encontrado
Na serra de Canguçu
Mais triste que um socó
E sujo como urubu
Ao chegar à sua casa
Veio alegre e mui contente
Por ver a sua tatua
E quem mais era parente
Minha comadre tatua
Adeus, como tem passado?
– Tenho passado mui bem
Porém com algum cuidado -
Tatua, minha tatua
Acuda, senão eu morro!
Venho todo lastimado
Das dentadas de um cachorro
Até chegar nesta idade
Remédio nunca tomei
Tatua, estou mui doente
Faz remédio, eu tomarei
Ela deu folhas d’umbu
Co’a raiz de pessegueiro
Mas coitado do tatu
Morreu inda mais ligeiro!
A tatua e os tatuzinhos
Puseram-se a cavoucar
Pra fazer a funda cova
Pra o seu tatu enterrar
A tatua está viva
O seu tatu já morreu
Ela agora quer marido
Travesso como era o seu
A tatua está mitrada
Quer marido doutro jeito
Que não viva longe dela
E seja tatu de respeito
E se algum dos meus senhores
Quer ser tatu preferido
A tatua está viva:
É só fazer seu pedido!
O tatu desceu a Serra
Com fama de laçador
Bota laço, tira laço
Bota pealos de amor
Meu tatu de rabo mole
Meu guisado sem gordura
Eu não gasto meu dinheiro
Com moça sem formosura
Dei graças a Deus achar
Uma toca já deixada
Pois que vinha um caçador
Co’ uma grande cachorrada
O tatu foi encontrado
No passo do Jacuí
Trazendo muitos ofícios
Para o general David
O tatu subiu no pau!
É mentira de você:
Só que o pau fosse deitado
Isso sim, podia sê
O tatu caiu na roça
Pelo cheiro da banana
Também eu quero cair
Nos braços de dona Ana
Fonte:
Lopes Neto, J. Simões. Cancioneiro guasca. Porto Alegre, Editora Globo, 1954. (Coleção Província, 6). Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário
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