A rua não tinha nenhum destes espigões que empanam o sol e, à noite, quando se olhava para o céu, de qualquer ponto, era possível ver as estrelas.
Estrelas brilhantes, tão mais brilhantes quanto mais fria fosse a noite do mês de junho, e este era um mês especial para seus moradores. A meninada, alvoroçada, já no dia primeiro, começava a se preparar para a festa. E como "o melhor da festa é esperar por ela", pode-se dizer que meninos e meninas aproveitavam vinte e quatro dias, sem parar, esperando chegar a noite de São João. Tinham até direito de dormir mais tarde, podendo sair depois do jantar para colar as bandeirinhas que iriam enfeitar o "arraiá".
Os barbantes eram estendidos de um lado a outro, calçada a calçada. Nem tantos carros havia em Juiz de Fora, e a Benjamin Constant, acabando onde é hoje a Tiradentes, era uma rua tranquila e silenciosa, sem ronco de motores a perturbar o alarido da criançada. Assim, sem perigo, todos se encontravam para fazer a colagem, escolhendo as cores cuidadosamente, discutindo com grande concentração e seriedade sobre a conveniência de se colocar uma bandeirinha azul perto da rosa ou vice-versa.
Os maiores providenciavam a capina, pois, no local em que a rua terminava, havia mato, bicho. Era comum encontrar-se, no quintal, um lagarto "quentando" ao sol. Gambás e, dizem, até raposas, costumavam assaltar galinheiros, beber os ovos e roubar frutas durante a noite.
Era necessário limpar e preparar o terreno, num trabalho pesado que ninguém sentia. Tarefas divididas, havia aqueles que iam arranjar o bambu para cercar a área, e os que iam armar barraquinhas onde o pé de moleque, a cocada e a canjica iam ser servidos com muito orgulho pelas donas de casa, quituteiras de mão cheia, que na ocasião demonstravam seus dotes, oferecendo a todos as suas obras-primas.
O local era sempre o mesmo: logo ao final da rua Benjamin Constant, embicava a entrada do arraial que se instalava no espaço entre as atuais ruas Tiradentes e Olegário Maciel. A festa da Benjamin ficou famosa, e os convites para o ingresso eram disputados. Todos se conheciam e todos participavam. Não havia idade nem reumatismo que resistisse à motivação da sanfona e do tablado que, cedido pela Prefeitura, suavizava as irregularidades do solo, permitindo que a caipirada dançasse a quadrilha com muita alegria à luz de uma fogueira cuidadosamente montada.
Passado o mês dos folguedos juninos, a gurizada arranjava pretextos para continuar a se reunir após o jantar. Era o pique-de-meio, no qual, os participantes ficavam a salvo na calçada, sem poder lá permanecer por muito tempo. Tinham que tentar, constantemente, mudar para o outro lado da rua, enfrentando a perseguição do pegador e correndo o risco de, se alcançados, serem expulsos da brincadeira.
À medida que os meninos e meninas iam crescendo, o interesse pelas correrias ia-se transferindo para o vôlei, também no meio da rua. Às vezes, um grande círculo se formava e um jogador, no centro, liderava a distribuição da bola. Outras vezes, em jogo livre, iam sendo feitas exclusões até que a dupla, mais hábil nas jogadas, ficava para a definição final de um vencedor. Em outras ocasiões, até uma rede era improvisada, atravessando a rua de um lado a outro e permitindo uma partida simulada.
Aquele congraçamento de crianças e jovens adolescentes reunia os filhos de conceituadas famílias da cidade. Eram vizinhos próximos os renomados médicos Dr. José Dirceu de Andrade, Dr. Justino Sarmento e Dr. José Mariano; o comércio local se fazia representar pelos senhores Luís Enéas Mescolin e Francisco Romanelli; pela classe bancária respondiam o Sr. José Caldas, o Sr. José Vale da Fonseca e o Sr. Octávio Duarte Corrêa Barbosa.
Havia ainda a simplicidade do "seu" Tonico — o fazendeiro Antônio Teixeira Reis, e a elegância do político, Dr. José Procópio, ex-prefeito da cidade. Outras personalidades marcantes também viviam nas redondezas, mas os citados permaneceram por longo tempo como moradores da rua Benjamin Constant.
Vários remanescentes e /ou descendentes destas famílias ainda lá estão, embora, muitas daquelas casas não existam mais, tendo cedido lugar a prédios altos e modernos.
As crianças de hoje não têm condições de brincar na rua e não conseguem imaginar o que foi o pique-de-meio, o jogo de bola ou a preparação de uma festa junina. Fechadas em suas casas ou apartamentos têm, como distração principal, os programas de televisão assistidos em volume máximo, pois o barulho do tráfego intenso dificulta a audição.
É a marca do asfalto, o preço do progresso. Ainda bem que elas não conheceram a rua Benjamin Constant de 40 anos atrás. A saudade fica para as pessoas que nela viveram naqueles tempos.
Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora
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