sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Luiz Damo (Trovas do Sul) VI


A abelha durante o dia
não para de trabalhar,
nunca fez engenharia
e faz tudo sem falhar.

A grande e dura saudade
sob a lápide se esconde,
só nos traz perplexidade
e ao grito sequer responde.

Água por todos os lados
de ilha podemos chamar,
triste é ficarmos ilhados
sem que possamos nadar.

A justiça, embora tarde,
nunca deverá falhar,
inimiga do covarde
que não quer se revelar.

Altos montes ou baixadas
por florestas revestidas,
pelas fontes são regadas
prometendo novas vidas.

As gotículas de chuvas
descendo nos parreirais,
se misturam com as uvas
formando doces cristais.

Das flores gostamos tanto
pelo perfume que exalam,
são templos do puro encanto,
com ternura elas nos falam.

Distantes, porém profundos,
bons momentos de alegria,
pareciam de outros mundos
de tanta paz e harmonia.

Do semblante da criança
tão sorridente a brincar,
brotam raios de esperança
que ajudam a iluminar.

Doze meses o ano tem,
trinta dias tem um mês,
sete a semana contém
tempo que o mundo Deus fez.

Ecos podem ser ouvidos
num silêncio singular,
podendo ser confundidos
com distúrbio auricular.

Lares fartos de ternura,
campos cheios de verdor,
sobre a mesa da cultura
brilhe a chama do labor.

Muitas trilhas na floresta
feitas com foice e facão,
hoje, a lembrança nos resta,
da alavanca e do pilão.

Muitos sonhos são desfeitos
por falta de consistência,
buscamos os mais perfeitos
nos caminhos da existência.

Nas manhãs ensolaradas
cheirando restos de orvalho,
segue o obreiro nas estradas
para o local de trabalho.

Ninguém será condenado
com sentença proferida,
sem transitar em julgado
e a pena reconhecida.

No cantar dos passarinhos
Deus também se manifesta,
cantos cobrem os caminhos
e transformam as florestas.

Nos abismos do passado,
talvez um projeto antigo,
jaz em dores, transpassado,
esperando um solo amigo.

Nossa luta pela vida
no nascimento começa,
sendo apenas concluída
quando a morte se atravessa.

Nossos rios e lagoas
estão sendo poluídos,
quase ninguém canta loas
por julgarem já perdidos.

Nunca devemos correr
quando o certo é devagar,
antes, sempre socorrer,
que o socorro mendigar.

O homem tem a liberdade
de escolher e decidir;
seguir pela claridade,
ou nas trevas prosseguir.

Onde quer que a luz esteja
é lá que estaremos nós
e assim o mundo nos veja
conhecendo a nossa voz.

Os caminhos da verdade
às vezes não são floridos
e os espinhos da maldade
machucam nossos sentidos.

Outrora a "palavra" tinha
sotaque de um documento
e a fonte donde ela vinha
era mais que um testamento.

Pelos frutos conhecemos
a planta que os produziu,
se são bons, logo dizemos:
que ela já nos seduziu.

Quando os verbos conjugamos
nos três tempos consagrados,
vemos que nos subjugamos
aos problemas já passados.

Saí pelo mundo afora
em busca de soluções,
posso computar agora
conquistas e decepções.

Quem nunca soube plantar
como pode pretender,
algum sonho alimentar,
ou de bons frutos colher?

Se a resposta não retruca
demonstra ser verdadeira
e ao tê-la sequer machuca,
durará pra vida inteira.

Se as águas forem cercadas
pela terra firme e boa,
mesmo que estejam paradas
não passam duma lagoa.

Se o tempo nunca passasse
e assim nada envelhecesse,
com certeza, a nossa face,
a de um Anjo parecesse.

Se quisermos comer pão,
trigo devemos plantar,
para tê-lo sempre à mão
no almoço, café e jantar.

Tantas horas sem dormir,
ou dias sem trabalhar,
tudo nos faz presumir:
só vence quem batalhar.

Tão brilhantes, as estrelas,
neste universo espalhadas,
esperamos poder vê-las
em noites enluaradas.

Tem um tempo para tudo:
para dar e receber,
o melhor tempo, contudo,
é o que temos pra viver.

Tendo flores nos caminhos
bons perfumes vou sentir,
porém se tiver espinhos,
são dores: por quê mentir?

Toda a beleza do mundo
cabe na palma da mão,
quando num gesto fecundo
alguém ajuda um irmão.

Transformar a tempestade
em luzes para o futuro,
requer força de vontade
para até seguir no escuro.

Tudo passa tão depressa
que por vezes perde a graça,
quando a confiança cessa
um novo contexto traça.

Um terreno pedregoso
nunca se deve escolher,
pra não tornar-se oneroso
o fruto que for colher.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor

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