sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Contos e Lendas do Mundo (Inglaterra: Tom Tit Tot)


Era uma vez, há muito, muito tempo, uma mulher que fez cinco empadas, mas, quando as retirou do forno, verificou que as tinha deixado lá tempo de mais, pelo que o revestimento estava demasiado duro para se poder comer.

Indicou então à filha:

- Coloca estas empadas na prateleira durante algum tempo, que já voltarão a estar.

Repare-se que se referia ao revestimento, o qual passado algum tempo, estaria mais mole, mas a jovem pensou: "Bom, se voltarão a estar, então como-as já." E não tardou a pôr a ideia em prática.

À hora de jantar, a mulher ordenou-lhe:

- Vai buscar uma das empadas. Suponho que já estarão...

A jovem foi lá, mas apenas viu a prateleira vazia.

- Ainda não estão! - comunicou à mãe.

- Nem ao menos uma?

- Nem ao menos uma! - confirmou.

- Paciência - decidiu a mulher -, estejam ou não, comerei uma ao jantar.

- Mas não podes, porque ainda não estão.

- Com certeza que posso. Traz a que estiver melhor.

- Não posso trazer a melhor nem a pior, porque comi todas. Portanto, só o poderás fazer quando voltarem a estar lá.

A mulher enfureceu-se, abandonou a mesa, pegou nos apetrechos de fiar e, enquanto trabalhava, cantarolava:

- A minha filha comeu cinco empadas! Cinco empadas num único dia! A minha filha comeu cinco empadas! Cinco empadas num único dia!

O rei, que naquele momento percorria a rua, como não conseguisse compreender os termos da canção, deteve-se e perguntou:

- Que cantiga é essa?

Como tinha vergonha de que ele se inteirasse da ação reprovável praticada pela filha, ela respondeu:

- A minha filha fiou cinco meadas! Cinco meadas num único dia! A minha filha fiou cinco meadas! Cinco meadas num único dia!

- Com a breca! - exclamou o monarca. - Nunca tinha ouvido falar de uma proeza dessas! - E acrescentou: - Bem, olha, como preciso de uma mulher, vou casar com ela. Mas presta atenção: durante onze meses por ano, será dado de comer tudo o que for do seu agrado, terá todos os vestidos que desejar e toda a companhia que lhe apetecer. Mas, no mês restante, terá de fiar cinco meadas por dia, de contrário mando matá-la.

- Combinado! - assentiu a mulher, ao mesmo tempo que refletia que se tratava de um casamento extraordinário e acabaria por descobrir uma solução para o problema das cinco meadas, embora estivesse confiada em que, até lá, o rei esquecesse o assunto.

Por conseguinte, eles casaram. Durante onze meses, a jovem esposa teve tudo o que quis para comer, todos os vestidos que pediu e toda a companhia que desejou. Como o tempo passava cada vez mais depressa, começou a pensar nas meadas e perguntava-se se o rei ainda se lembraria disso. Mas como ele nunca aludia ao fato, acabou por se convencer de que tombara no esquecimento.

No entanto, no derradeiro dia do penúltimo mês, ele mandou-a chamar e a conduziu a um aposento que ela nunca vira, cujo único conteúdo consistia numa roca e uma banqueta.

- Bem, minha querida - disse-lhe -, a partir de amanhã, ficas aqui encerrada com algo para comer e linho. Se, à noite, não tiveres fiado cinco meadas, perderás a cabeça.

E afastou-se, para tratar de assuntos de estado. Ela ficou então dominada por um medo atroz. Sempre fora uma moça despreocupada, pelo que nem sequer sabia fiar. Que aconteceria no dia seguinte, se ninguém a ajudasse? Sentou-se na banqueta e chorou como uma desesperada.

De repente, ouviu um ruído, como se estivessem a bater à porta. Levantou-se, foi abrir, e que viu? Um magro e pequeno ser negro, com uma longa cauda, que a olhou com curiosidade e perguntou:

- Porque choras?

- Que te importa?

- Não perdes nada em me dizer porque estás tão amargurada.

- Não lucraria nada com isso.

- Isso é que tu não sabes. - observou a criatura, movendo os dedos em torno da cauda.

- Muito bem - acedeu ela. - Não vou adiantar nada, mas também não posso ficar pior do que já estou.

Assim, recobrou o ânimo e descreveu o caso das empadas, meadas e tudo o resto.

- Acaba de me ocorrer uma ideia - declarou o pequeno ser.

- Virei todas as manhãs à tua janela, receberei o linho e à noite o trarei devidamente fiado.

- E que exiges em troca?

Piscou o olho e disse:

- Todas as noites, disporás de três oportunidades de adivinhar o meu nome. Se não o conseguires antes de o mês terminar, pertencer-me-ás.

Ela refletiu que decerto seria bem sucedida até ao fim do mês, pelo que concordou.

- Ótimo! - exclamou o pequeno ser, e gostava que vissem as voltas que dava à cauda!

Na manhã seguinte, o marido conduziu-a ao aposento onde se encontrava o linho e a comida para esse dia e lembrou-lhe:

- Se não o tiveres fiado todo até à noite, perderás a cabeça. - E afastou-se, depois de fechar a porta à chave. Pouco depois, soaram leves pancadas na janela. A jovem levantou-se, abriu-a e deparou-se-lhe o pequeno e bizarro ser, empoleirado no peitoril.

- Onde está o linho?

- Aqui o tens. Quando começava a anoitecer, tornaram a bater nos vidros da janela. Ela foi abrir e, com efeito, a pequena e bizarra criatura trazia cinco meadas sobre o braço.

- Aqui estão - anunciou, entregando-lhas. - Como me chamo?

- Bill? - aventurou ela.

- Não, não é Bill. - replicou ele, agitando a cauda em todas as direções.

- Ned?

- Também não. - replicou, agitando a cauda em todas as direções.

- Então, só pode ser Mark.

- Nem pensar.

Ele agitou ainda mais a cauda e retirou-se.

Quando o marido chegou, ela mostrou-lhe as cinco meadas.

- Bem, reconheço que não tenho motivos para te matar, esta noite. Amanhã, receberás a comida e linho para esse dia.

Continuaram a levar-lhe o linho e a comida, com a visita diária do pequeno ser de manhã e à noite. Entretanto, a jovem passava o tempo a tentar decidir que nome proferiria no final de cada dia, mas nunca acertava. A medida que o fim do mês se aproximava, ele olhava-a com malícia crescente e a agitação da cauda recrudescia ante as tentativas, infrutuosas, para adivinhar o nome.

Por fim, chegou o penúltimo dia. O ser apareceu à noite com as cinco meadas e perguntou:

- Descobriste como me chamo?

- Será Nicodemos?

- Não, não é Nicodemos.

- Samuel?

- Também não.

- Então, tem de ser Matusalém.

- Nem por sombras.

Em seguida, olhou-a com intensidade e pronunciou as seguintes palavras:

- Só falta a noite de manhã, e serás minha!

E retirou-se.

Nem imaginam como a jovem ficou alarmada. De repente, porém, ouviu aproximar-se o rei, que, pouco depois, entrava. Ao ver as cinco meadas, declarou:

- Bem, minha querida, estou a ver que amanhã também terás completado as cinco meadas, pelo que não haverá motivos para te mandar matar. Por conseguinte, quero jantar contigo aqui, esta noite.

Foi servido o jantar, depois de trazerem outra banqueta para ele, e sentaram-se à mesa.

O monarca apenas introduzira a primeira garfada na boca, quando começou a rir.

- Que se passa? - quis saber ela.

- É que, quando fui à caça, hoje, entrei numa área do bosque onde nunca tinha estado e havia uma mina de cal, da qual provinha uma espécie de murmúrio. Apeei-me do cavalo, aproximei-me sem produzir o menor ruído e espreitei. Sabes o que se me deparou? O ser negro mais pequeno e gracioso que vi até hoje. Calcula o que fazia. Estava sentado diante de uma pequena roca e fiava maravilhosamente depressa, ao mesmo tempo que agitava a longa cauda em todas as direções e cantava:

Nimmy, nimmy, not
O meu nome é... Tom Tit Tot.

Quando ouviu estas palavras, a jovem conteve-se com dificuldade de dar pulos de alegria, e manteve-se quieta e calada.

Na manhã seguinte, à hora de ir buscar o linho, a pequena criatura olhou para dentro descaradamente. E, quando anoitecia, ela ouviu que a chamavam do outro lado da janela. Abriu-a e o minúsculo ser saltou imediatamente para o peitoril e entrou. Exibia um sorriso trocista de orelha a orelha, e com que rapidez agitava a cauda!

- Como me chamo? - perguntou, enquanto entregava as meadas.

- Salomão? - disse ela, fingindo-se apreensiva.

- Não, não é Salomão - replicou ele, avançando alguns passos.

- Zebedeu?

- Também não. - Agitou a cauda tão depressa, que quase não se via.- Não te precipites. Mais uma oportunidade e ficarás a pertencer-me - acrescentou, estendendo as mãos negras para ela.

A jovem recuou dois passos, olhou-o em silêncio por um momento e pôs-se a rir, ao mesmo tempo que cantarolava:

Nimmy, nimmy, not
O teu nome é... Tom Tit Tot.

Quando ouviu estas palavras, a pequena criatura emitiu um guincho e, de um salto, desapareceu na escuridão. Ela nunca mais o voltou a ver.
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Nota do Blog:
Este conto tem muita similaridade com o conto “Rumpelstichen”, dos Irmãos Grimm. Sendo os contos dos Irmãos Grimm compilações de contos mais antigos, provavelmente o deles tenha se inspirado neste conto tradicional inglês.

Fonte:
Contos Tradicionais da Europa

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