quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Heitor Stockler de França (Poemas Avulsos)


DENTRO DE UM GRANDE SONHO

Alma simples de poeta e coração sem jaça,
Nasci para ser bom, livre de preconceito,
Vivendo para amar, na beleza e na graça,
Tudo que é natural e tudo que é perfeito.

E sinto este meu ser já de tal afeito
A esse fino prazer, licor de azulea taça,
Que me julgo feliz, glorioso e satisfeito
Na artística emoção que todo me repassa.

Embora a aparecer na áurea legião da rima,
Não vislumbro fulgor no estro que me anima,
Nem sei se há vibração nos versos que componho.

E assim, tal como a névoa errante pela altura
Infinita do céu, a mim se me afigura
Que passo por aqui dentro de um grande sonho!

EU E A VIDA

Meu corpo, este conjunto singular,
Prodigioso na sua estruturação,
Foi definido para agasalhar
A vida no rigor da sua função.

Assim, a infância como a adolescência,
Inda a maturidade conceituosa,
Nele estiveram, em normal sequência,
Aguardando a velhice caprichosa.

Vê-se que quatro fases circunscritas,
Distinguem o ritual da vida humana
E que a nem toda gente por suas ditas,
Dado é atingir a escala soberana.

Eu, todavia, me sentindo em graça,
Três etapas venci conscientemente,
Porém, na última que exige raça,
É prêmio para mim estar presente.

A primeira chegou, era a esperança,
A alacridade em saltos de balé,
A puerícia a entrar na contradança
Do mundo, ainda, insciente a tomar pé.

A segunda, ardorosa sucessora,
De início encheu de sol todo o cenário
E esbanjou sensações como se fora
Eterno esse período extraordinário.

A terceira, entretanto, ponderada,
Sem se afastar do belo, da ventura,
Também sonhou, cantou emocionada,
Certa de que o melhor nem sempre dura.

A quarta, venerável, mas temida,
A estimular-me, atenta permanece,
Até quando não sei. Gosto da vida,
Por isso é que ela escuta a minha prece.

MAIS UM ANO

Mais um ano deflui e noto. se me amplia
O vinco natural dessa rude passagem.
Com esperança Imensa a vida se inicia.
Mas, é incógnita, sempre, o termo de uma viagem!

É certo que envelheço e passo, todavia.
Se meu físico cede e rola na voragem,
Tenho a alma intacta e nova, ainda, e quem diria?
Sempre atrás de um Ideal - a fúlgida miragem!

Parece-me que tudo o que tenho aspirado.
No lento decorrer desta jornada de anos,
De canseiras sem trégua e vagos desenganos.

Com armadura de aço e tal como um Cruzado,
A passos vou vencendo e, pelo algo que fiz,
Arrogo-me o direito a me julgar feliz!

MINHA DESPEDIDA

O meu estado de doente
Não aguenta mais a cama,
Sou por isso impertinente,
Não é comédia, isto é um drama.

Assistido como estou
Pela esposa, filhos, netos,
A moléstia se afastou,
Vencida pelos afetos.

Minha esposa é meu jardim
Não de avencas, nem junquilhos,
Flores d'alma, ramo afim,
Pelo amor de nossos filhos.

Das duas noras que temos
Eu e Brasília até agora,
Carinhosas, não sabemos,
Qual delas a melhor nora.

Dos genros, dois, nem se fala,
É uma parelha batuta
Feita ao requinte de sala,
Quanto da vida na luta!

REFLEXOS DA INFÂNCIA

Gosto de fazer versos quando chove
E ouço o marulho d'água nas sarjetas;
Esse fragor de indômitas maretas,
Tem não sei quê de estranho e me comove...
Não que eu seja um triste, um alma doente,
Às belezas da vida indiferente.

Mas, apenas porque
Minhas recordações da infância
Despertam meu passado
Que, embora distante,
Ainda mora no meu ser.

Revejo, então, contemplativo,
Como num cosmorama
Detalhes da época vivida
No lugarejo natal.

Agora, a casa paterna,
Depois, lá fora, na chácara,
A horta verde, o pomar,
O campo, a aguada, a mangueira,
A lida da criação;
O vento, a chuva, a bonança,
A enxurrada nos caminhos,
O sol dourando a paisagem,
E eu, como um rei de tudo,
Contente a gozar a vida.

Por isso, se está a chover
E se outra coisa não faço,
Faço poemas, versos traço,
Para a infância reviver!...

SEGUE O TEU MESTRE

É extensa a estrada real.
É largo esse caminho
Onde o sol espadana estranha luz,
Ora sendo de flor, ora de espinho,
Fulgindo em cada pétala um ideal
E em cada sombra uma maciez de arminho.

Por ela é que o destino te conduz!...

Essa estrada é o Caminho de São Thiago,
A Via-Láctea do sonho que te embala…
Mas, ante o ignota que é tão vago,
Que canseiras terás para alcançá-la!

Caminha e acautela-te, entretanto,
Ouvindo os ecos bons, desviando os maus,
O teu cérebro inculto, ainda, é um caos
E o passo é tardo e incerto, por enquanto.

Segue o teu Mestre que conhece a viagem…
Ouve-lhe a voz de apóstolo e de amigo;
É bem certo que estando ele consigo,
Aprenderá melhor toda a paisagem.

Verá através da ciência conhecida,
Tudo o que a mater natureza encerra:
Perfume, luz e som, o céu e a terra,
O mundo todo - o ritmo da vida!

Fonte:
Apollo Taborda França. Palmeira e o seu poeta Heitor Stockler. Palmeira/PR: A. T. França. 2004.
Livro enviado por Vânia Ennes.

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