O nome de batismo, pai e mãe escolhem tirando de livro, de artista. de celebridade ou da folhinha. Mas sobrenome a gente herda dos antepassados. Seria curioso se pudesse descobrir como esses nomes se fixaram, o que significam. A maioria, claro, veio de apelidos; no sertão está ainda em curso a transformação de alcunha em sobrenome; (Luiz Ferreiro, João Zarolho, Maria Boleira), como a formação dos patronímicos: Zé Cirilo, Mané Rosa, Chico Júlio são os filhos de Cirilo, Rosa e Júlio.
Aliás essa dos patronímicos é a base de inúmeros sobrenomes que trouxemos de Portugal: Rodrigues filho de Rodrigo, Fernandes de Fernão, Peres de Pero, Mendes de Mem ou Mendo, Sanches de Sancho, Álvares de Álvaro, e daí por diante.
Há, porém, entre os muito usados os que não fazem mais sentido nenhum, não têm tradução inteligível atualmente; Queiroz, Peixoto, Macedo, Fonseca, Alencar (que Pedro Nava diz vir do árabe), Andrade etc.
Entre os nomes de árvores (que alguns pretendem foram os adotados preferencialmente pelos cristãos-novos), nota-se a particularidade de que só algumas árvores vindas do Velho Mundo são as escolhidas: — Carvalho, Pereira, Pinheiro, Silveira (ou Silva) ; já bananeira, aroeira, abacateiro, por serem árvores do Novo Mundo, não têm tempo nem tradição para se transformarem em genealógicas.
Os bichos são aqueles onde reina a mais singular discriminação. Nome de bovino, por exemplo, usa-se só o Bezerra; bezerro masculino, vitelo/a, boi, vaca, touro, ninguém usa. Carneiro e Cordeiro há aos milhares; mas ovelha, borrego. não. Dos suínos tirou-se o Leitão, mas jamais o porco. Da capoeira saem Pinto, Galo, Pato, Coelho; mas galinha e peru, não. Tem Leão mas não tem leoa; poucos Tigres e Camelos; inúmeros Lobos, Falcão. Mas hiena, chacal, crocodilo, píton, abutre, não tem, e todos são do Velho Mundo e não novidades americanas. Dir-se-á que é porque se trata de bichos traiçoeiros, peçonhentos ou repugnantes. Mas então por que ninguém usa a inocente girafa, o belo leopardo, o majestoso elefante, a imperial águia? São comuns Rato, Barata, nossos inimigos. Porém os dois maiores amigos do homem, o cão e o cavalo, não têm vez.
Muitos usam o nome de um país como apelido: França, Portugal, Holanda. Brasil. Mas não tem Inglaterra, Alemanha, Noruega etc. Por quê? Embora alguns dos seus gentílicos apareçam; lembro Inglês de Souza, Freire Alemão, Ferreira Francês. Os profissionais deveriam ser muitos, mas são poucos — Monteiro, Lavrador; e Ferreiro, que, curiosamente, só existe no feminino; Ferreira,
Das províncias brasileiras só dão sobrenome Amazonas, Bahia, Maranhão. Não conheço Sergipe, Pará, Mato Grosso etc. Por que será? E há os nomes dos descendentes dos nobres do império, que não podendo herdar o título ficavam na terra do título — Jaguaribe, Ouro Preto, Rio Branco.
Os sobrenomes mais comuns do brasileiro são, como se sabe, Silva, Costa, Lima, Pereira, Oliveira. Costa, evidentemente, não se refere ao detalhe anatômico no caso seria ‘‘Costas’’; terá alguma conotação com marujo ou negreiro, homem ido ou vindo da “costa’’ (d’África)? E se é verdadeiro que os nomes de árvores e plantas são de cristãos-novos, todos os nossos milhões de Lima, Silva, Oliveira, Pereira serão descendentes de judeus batizados?
Está aí um estudo para se fazer. A gente procura resolver os mistérios da Lua e Marte, mas com os mistérios que pululam ao nosso redor ninguém se preocupa.
Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. 1976.
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