sábado, 11 de janeiro de 2020

Antonio Roberto de Paula (Outra e Mais Outra para Relaxar)


– E aí?

– Beleza?

- Beleza.

- Vamos tomar uma hoje?

- Hoje, não. Sem chance.

– O que houve?

– Aquela dor.

- Voltou?

– É.

- Você precisa ir a um médico, cara!

- Se continuar, eu vou.

– Tá doendo muito?

- Pra caramba. Exagerei ontem.

– Onde cê foi?

- Passei por quatro botecos.

- O que te arrebenta é que você mistura.

– Cê também, cara!

- É, mas dou um tempo. Você é todo dia.

- Tava pensando. Será que eu sou alcoólatra?

- Deixa de ser besta. Lógico que não.

- Mas todo dia eu tenho que tomar pelo menos uma.

- É normal. A gente fica cansado e nervoso e toma pra relaxar.

- Mas ontem eu não fiz nada. Não cansei e não fiquei nervoso. Quando me dei conta já tinha tomado uma meia dúzia de cervejas e outro tanto da branca.

- Cê tomou remédio?

– Tomei um pra dor de cabeça e outro pro estômago.

- E não melhorou?

- A cabeça tá mais leve, mas o estômago tá esquisito. Não comi nada ontem e tô sem fome hoje.

– Por que você não vai num médico?

– Tô com medo.

– Do que?

– Acho que ele vai encontrar alguma coisa.

– Ah, encontrar com certeza ele vai, mas bota fé que não é nada grave. No máximo uma gastrite.

– Acho que a gente tá exagerando na bebida.
 
– Também acho. Mas fala pra mim, tem coisa mais gostosa do que ficar numa mesa de bar?

- Mas precisa de bebida sempre?

- E tem jeito de ficar duas horas conversando tomando guaraná e suco de laranja?

- E vendo os caras das outras mesas dando aquelas goladas gostosas na cerveja?

- Falando nisso, vamos pedir uma? Uma só?

- Não, hoje eu tô fora.

- Pede uma cerveja preta. É fraquinha. Teu estômago nem vai sentir.

- Não.

- Então bebe uma jurubeba ou uma raiz amarga. É bom pro estômago.

- Não, pede uma cerveja pra você que eu vou tomar só um copo.

– Tá.

– Acho que esta gastrite pode ser também do cigarro.

-Também colabora. Bebida e cigarro com o estômago vazio não é mole.

- Quantos cigarros você fuma por dia?

- Um maço e meio. Por aí. Durante o dia eu regulo, mas no bar eu acendo até na bituca.

- Igual eu. Põe mais um pouquinho.

- Cê falou deste lance de alcoólatra. Será que a gente é?

- Pra falar a verdade, na bucha mesmo, acho que sim.

- Não tinha pensado nisso.

- Penso direto nisso, mais ainda quando acordo de ressaca. Sabe aquela hora que você encara o espelho e fica louco de arrependimento?

- E promete que não vai tomar mais nenhuma até o próximo milênio?

- É. E à tarde esquece do que falou. Põe mais um golinho.

– Tô ficando barrigudo.

– Barriga de chope.

- E você, além de barrigudo, tá com a cara inchada.

- Não tem nada a ver com a bebida. Meu pai é assim.

- Porque também é outro bêbado. Rá, rá, rá, rá, ...     Vou pegar mais uma.

– Teu caso é mais grave. Você é baixinho. Não dá pra disfarçar.

- Vamos fazer um trato. A gente só toma na terça, quinta e sábado.

- Hoje é segunda. Então vamos ter que tomar amanhã.

- Não disse que vamos ser obrigados a tomar nestes três dias Podemos passar batidos.

- Tem que ter opinião. Pode pintar a maior festa do mundo que a gente não bebe. Certo?

- Certo, mas é bom acertar que no domingo é opcional. Imaginou passar um domingão a seco?

- E a sexta? Fim de expediente.

– O que é que tem?

- O que é que tem? Quando foi que você deixou de beber na sexta-feira?

– Acho que nem na Sexta-feira Santa.

- Sobra a segunda e a quarta.

- Certo. Mas tem uma coisa. E se jogo da seleção cair num destes dias?

- Mas aí pode. É um caso excepcional. Copa do Mundo é de quatro em quatro anos. Ver jogo da seleção sem tomar uma cervejinha nem pensar

– Concordo. Coloca mais um pouco aí no meu copo.

Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.

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