domingo, 14 de novembro de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (O Gaiato)


Nesta manhã o patrão chega mais cedo ao escritório e entra porta adentro todo alegre e saltitante. Antes de pisar em seu gabinete para começar o dia, reúne todos os funcionários no refeitório para divulgar a boa nova:

— Gente, eu pediria um minutinho só da sua atenção. Pode ser? Hoje tenho uma ótima notícia para dar...

A galera, em peso e a uma só voz:

— Nós ganhamos alguma concorrência?

— Não.

O chefe da produção arrisca:

— O senhor acertou na loteria?

— Quem dera...!

A secretária, bonita e encantadora, sumariamente acondicionada num vestido que praticamente deixa tudo à mostra, se levanta e manda um palpite:

— O senhor comprou aquele carrão que fomos ver no final de semana?

0 sujeito fuzila a moça com os olhos. Pensa em mandá-la às favas, mas, devido a magia do contentamento que o acompanha e contagia, sorri e acaba respondendo educadamente:

— Não senhorita Silvia. Meu sócio se antecipou...

Priscila, do RH se aventura:

— Vamos, finalmente, mudar para o prédio novo?

— Creio que isso ainda demorará um pouquinho. Pelo menos mais uns trinta a quarenta dias.

O Waldir da informática também se faz presente:

— O senhor saiu vitorioso naquela briga acirrada na justiça com a nossa maior rival no caso dos postes pré-fabricados com sensores anti-cachorros?

— Meu rapaz, você errou o alvo. A notícia da qual sou portador é melhor do que tudo que foi ventilado até agora. E esse tiro que vou anunciar com o coração em festa, não saiu pela culatra. Grosso modo, a bala foi certeira...

Dona Maria do financeiro se adianta confiante:

— O senhor botará em prática aquela promessa antiga de premiar a melhor equipe com uma viagem ao exterior com tudo pago e direito a acompanhante?

— Ainda não, Maria. Talvez no próximo ano...!!!

— Vai nos dar um bom aumento? — grita um engraçadinho anônimo lá do fundo do salão.

— Pessoal, eu estou falando sério. Muito sério!

— Dá uma dica ai, patrão — pede dona Dulce, da copa, com uma alegria intensa no rosto envelhecido.

— Não tem graça, tia Dulcinha. Ficaria fácil demais.

— Uma colher de chá...!

— Ao menos de café, pode ser?

— Melhor que nada.

— Ok! Vou realizar meu maior sonho.

— Sonho? Ah, tá. O senhor comprará um iate?

— Seu palpite está gelado. Super gelado!

— Um jatinho particular?

— Passou longe, amigo.

— Uma mansão numa praia afrodisíaca?

— Já tenho uma.

— Vai ter seu próprio canal de televisão?

— Não!

— Vai se mudar de mala e cuia para um apartamento de cobertura em Las Vegas?

— Nem pensar...

— Trocará os móveis, as cadeiras e os computadores aqui da empresa por outros novos e de última geração?

— Vocês terão tudo isso e muito mais quando mudarmos para o prédio novo.

Nesse momento os funcionários gritam, assoviam, dão vivas e batem, com fortíssimo entusiasmo, uma salva de palmas. O todo poderoso a um gesto com as mãos, volta a pedir silêncio:

— Galera, como já disse, e volto a repetir, estou falando sério. Seríssimo!

— Já que ninguém deu uma dentro, conta aí, doutor. Manda o papo numa boa...

—... Pois bem. A minha mulher, finalmente, ficou grávida. Não é sensacional? Minha mulher está buchuda, prenha, barriguda. Cíntia vai ter um nenê. Vai me dar um filho...!!!

O mesmo engraçadinho anônimo de alguns minutos atrás, sentado, ainda, no fundo da sala torna a se levantar, desta vez berra, chamando a atenção de toda a turma, em sua direção:

— E o senhor, por acaso, sabe quem é o pai?

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Como matar sua mulher sem deixar vestígios. SP: Sucesso, 2012. (ebook enviado pelo autor)

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