domingo, 28 de novembro de 2021

Contos e Lendas do Mundo (O marido invisível)

* Nota:
O conto de fadas literário surgiu na Europa da Idade Moderna como tradição oral levada ao público infantil. As histórias eram contadas de um adulto para uma criança, registrando lições, experiências, em que geralmente os heróis superavam situações desfavoráveis através de algum segredo mágico. Por se tratar de narrações fictícias, as ações dos contos de fadas desenrolam-se em países imaginários, povoados por objetos e personagens mágicos e estranhos, onde o narrador e o seu público não acreditam na realidade da história.

A grande aceitação do conto de fadas teve, pelo menos, duas consequências importantes sobre a evolução da literatura infantil. Em primeiro lugar, impôs o predomínio do lúdico sobre o instrutivo. Em segundo, contribuiu para a definição de um gênero especificamente voltado para as crianças.

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Era uma vez um rei e uma rainha, como tantos outros, que tiveram três filhas, todas lindas, mas a mais bela era a caçula, chamada Anima.

Um dia, as três irmãs brincavam no campo, e Anima avistou um arbusto com lindas flores. Como queria levá-lo para casa e plantá-lo no próprio jardim, ela colheu as flores puxando os galhos pela raiz, uma a uma. Finalmente, o arbusto cedeu e revelou uma escada debaixo dele que descia fundo na terra. Sendo corajosa e muito curiosa, sem avisar as irmãs, Anima desceu as escadas e percorreu um caminho muito longo, até que, por fim, chegou a céu aberto novamente, em uma terra que nunca vira antes, e dali avistou um palácio magnífico bem à frente, não muito distante de onde estava.

Anima correu até lá e, assim que chegou, bateu a aldrava, e a porta se abriu sozinha, sem que ninguém estivesse ali. Quando entrou, viu uma decoração luxuosa, com paredes de mármore e adornos valiosos, e, ao dar mais um passo, uma música adorável começou a tocar de repente e passou a acompanhá-la aonde quer que fosse. Por fim, Anima chegou a uma sala com sofás aconchegantes e, cansada de explorar, logo se jogou em um deles.

Mal havia se deitado, quando uma mesa, deslizando sobre rodas, surgiu em sua direção, sem que ninguém a empurrasse, e sobre ela havia deliciosas frutas, bolos e bebidas frescas de todos os tipos. Anima comeu e bebeu até se saciar, depois caiu no sono e só acordou ao anoitecer. Então, surgiram dois grandes castiçais, cada um com três velas acesas, que pairaram no ar para, em seguida, pousar sobre as mesas perto de Anima, iluminando o ambiente para ela.

– Nossa, preciso voltar para a casa dos meus pais. Como farei isso? Como voltarei? – perguntou Anima a si mesma, muito preocupada.

– Fique comigo, seja minha noiva e terá tudo o que seu coração desejar – falou uma voz suave perto dela.

– Mas quem é você? Quem é você? Aproxime-se para que eu possa vê-lo! – gritou Anima,
tremendo de medo.

– Não, não, é proibido. Nunca poderá ver meu rosto ou teremos de nos separar, pois minha mãe, a rainha, não quer que eu me case.

Tão doce era aquela voz e tão triste Anima ficou, que consentiu com o casamento, e eles viviam felizes juntos, embora o marido nunca aparecesse antes de escurecer para que ela não pudesse vê-lo.

Mas, depois de um tempo, Anima ficou aborrecida, mesmo vivendo com tanto esplendor e sentindo-se feliz, pois sentia saudade de sua família.

– Por favor, posso ir para casa para ver meu pai, minha mãe e minhas queridas irmãs? – perguntou Anima ao marido.

– Não, não, minha pequena – respondeu ele. – Se vir sua família outra vez, o mal cairá sobre nós e teremos de nos separar.

Mas ela continuou suplicando ao marido que a deixasse voltar até sua terra para visitar a família ou que, pelo menos, deixasse que viessem até lá para vê-la. Finalmente, ele consentiu e enviou uma mensagem convidando o pai, a mãe e as irmãs de Anima para passar alguns dias com ela, intervalo de tempo em que ele teria de se ausentar.

O rei, a rainha e as duas irmãs foram até lá e ficaram maravilhados com o esplendor da nova casa de Anima e, principalmente, muito surpresos ao ver que eram servidos por mãos invisíveis, que faziam tudo o que desejassem. Mas logo as irmãs ficaram curiosas e com ciúmes, não podiam imaginar sobre o misterioso marido de Anima, além de invejá-la por ter um lar tão maravilhoso.

– Mas, Anima, como concordou em se casar com um homem sem nunca tê-lo visto antes? Deve haver alguma razão para ele nunca se mostrar, talvez seja deformado ou, então, em um monstro foi transformado. – disse uma das irmãs.

– Ele não é um monstro. Disso tenho certeza. Precisam ver como é gentil comigo. Não me importa se não é tão bonito quanto imagino. – disse Anima depois de rir.

Mesmo assim, as irmãs insistiam que tinha algo errado, já que havia um segredo, e, finalmente, conseguiram fazer com que sua mãe, a rainha, conversasse com Anima antes de partirem.

– Anima, acho justo e importante saber quem é o seu esposo. Espere até que ele durma, acenda uma lamparina e veja com seus próprios olhos. – disse a mãe.

Depois, todos se despediram e partiram. Naquela mesma noite, o marido invisível retornou, mas Anima já havia providenciado uma lamparina a óleo e deixado uma brasa pronta para acendê-la.

Assim que percebeu que o marido dormia a seu lado, ela acendeu o pavio para espiá-lo. Anima ficou encantada ao ver que ele era muito bonito, além de ter um corpo robusto e atraente. Mas, enquanto o admirava, sua mão tremeu de emoção e três gotas de óleo escorreram da lamparina que segurava e pingaram no rosto dele. Ao acordar e vê-la, o marido logo soube que ela quebrara a promessa.

– Oh, Anima! Oh, Anima! Por que você fez isso? Aqui nos separamos até que convença minha mãe, a rainha, a permitir que me veja de novo.

Depois disso, um estrondo de trovão ressoou, a lamparina se apagou e Anima caiu no chão, desfalecida. Ao acordar, o palácio havia sumido, e ela estava em um pântano muito sombrio. Anima caminhou sem parar até chegar a uma casa na beira da estrada onde uma velhinha a recebeu e lhe ofereceu algo para comer e beber, depois perguntou como ela tinha ido parar lá. Então, Anima lhe contou tudo o que havia acontecido.

– Casou com meu sobrinho, filho de minha irmã, e temo que ela nunca a perdoe. Mas seja corajosa, vai até lá e reivindica o seu marido. A rainha terá de abrir mão dele se você conseguir fazer tudo o que ela exigir de você. Pega este galho. Se minha irmã lhe pedir o que acredito que vá pedir, bate no chão com ele três vezes e receberá ajuda. – orientou a senhora.

Depois, ela indicou à Anima o caminho a seguir até encontrar a mãe do marido e, como era muito distante, deu-lhe instruções de onde poderia encontrar uma outra irmã que a ajudaria também.

Então, no meio do caminho, Anima parou em outra casa onde havia outra velhinha, a quem ela contou toda a história, e aquela senhora, irmã da rainha, entregou-lhe uma pena de corvo e explicou como usá-la.

Finalmente, Anima chegou ao palácio da rainha, mãe do marido invisível, e exigiu vê-lo assim que se apresentou diante dela.

– Oh, relés mortal! – censurou a rainha. – Como ousaste casar com meu filho?

– Foi escolha dele. – respondeu Anima – E agora sou sua esposa. Decerto vai me deixar vê-lo de novo.

– Bem, – disse a rainha – se conseguir fazer o que vou exigir de você, então verá meu filho novamente. Primeiro, vá até aquele celeiro onde os idiotas dos meus criados juntaram todo o trigo, a aveia e o arroz em um único monte enorme. Se até o anoitecer conseguir separar todos os grãos em três montes, talvez eu possa atender seu pedido.

Anima foi levada até o grande celeiro da rainha e lá estava o enorme monte de grãos, todos misturados, então a deixaram ali sozinha e trancaram a porta. Ela se lembrou do galho que a irmã da rainha lhe dera e bateu com ele no chão por três vezes. Milhares de formigas surgiram do solo e começaram a trabalhar no monte de grãos, algumas delas carregavam o trigo para um canto, outras carregavam a aveia para outro, e o restante carregava os grãos de arroz para um terceiro canto.

Ao cair da noite, todos os grãos estavam separados e, quando a rainha foi até lá para liberar Anima, viu que a tarefa fora cumprida.

– Você teve ajuda! – esbravejou ela. – Veremos amanhã se conseguirá fazer algo sozinha.

No dia seguinte, a rainha a levou até um grande sótão no topo do palácio, abarrotado de penas de gansos, patos e cisnes, e do armário pegou doze colchões.

– Vês esses colchões? Até o final do dia deverás encher quatro deles com penas de cisne, quatro com penas de pato e o restante com penas de gansos. Faça isso e, então, veremos.

Deixou Anima lá e trancou a porta atrás. Anima se lembrou de que a outra irmã da rainha lhe dera uma pena de corvo, então a pegou e a agitou três vezes no ar. Sem demora, pássaros e mais pássaros entraram pelas janelas, cada um deles pegava um dos diferentes tipos de penas e as colocava nos colchões, assim, muito antes de anoitecer, os doze colchões estavam cheios como a rainha tinha ordenado.

Mais uma vez, ao cair da noite, a rainha foi até lá e viu que a segunda tarefa estava cumprida.

– De novo recebeu ajuda! Amanhã, terá uma tarefa que só você poderá realizar. – disse ela.

No dia seguinte, a rainha a convocou novamente e lhe entregou um pequeno frasco e uma
carta.

– Leva isso para minha irmã, a rainha do Submundo, e traz de volta em segurança o que ela lhe entregar. Então, talvez eu a deixe ver meu filho.

– Como posso encontrá-la? – perguntou Anima.

– Deve descobrir sozinha. – respondeu a rainha e se foi.

A pobre Anima não sabia para onde ir, mas, enquanto caminhava, a voz de alguém invisível sussurrou:

– Leve uma moeda de cobre e um pão contigo. Desça aquele enorme desfiladeiro até chegar a um rio profundo. Lá verá um homem velho transportando pessoas para o outro lado do rio. Põe a moeda entre os dentes, deixa que o velho a pegue e ele a levará para o outro lado, mas não lhe dirija a palavra. Então, do outro lado, encontrará uma caverna escura com um cão selvagem na entrada. Dê-lhe o pão, e ele a deixará passar, e logo você encontrará a rainha do Submundo. Pegue o que ela lhe entregar, mas tome cuidado para não comer nada nem se sentar enquanto estiver dentro da caverna.

Ela reconheceu a doce voz do marido e fez tudo o que ele lhe dissera até chegar à rainha do Submundo, que logo leu a carta que Anima lhe entregou. Então, a rainha lhe ofereceu bolo e vinho, mas ela recusou, balançando a cabeça, sem dizer nada. Depois, entregou-lhe um porta-joias curioso, de metal forjado.

– Peço-lhe que leve isso para minha irmã, mas cuidado para não o abrir durante o percurso ou um mal poderá lhe acontecer – disse a rainha do Submundo, depois a dispensou.

Anima começou a jornada de volta, passou pelo grande cão e cruzou o rio sombrio. Quando estava atravessando a floresta, não conseguiu resistir à tentação de abrir o porta-joias e, ao fazer isso, saltaram dele várias bonequinhas, que começaram a dançar ao redor de Anima e a divertiram muito com suas peraltices.

Como logo iria anoitecer, ela quis colocá-las de volta no porta-joias, mas as bonecas fugiram e se esconderam atrás das árvores, então logo percebeu que não conseguiria pegá-las de novo. Anima se sentou no chão e chorou e chorou e chorou, mas finalmente ouviu a voz do marido de novo.

– Viu só o que a curiosidade mais uma vez lhe custou? Não poderá levar o porta-joias para minha mãe do jeito que o recebeu de minha tia, a rainha do Submundo. Por isso, não nos veremos de novo.

Ao ouvir aquilo, Anima começou a chorar e se lamentar de forma tão comovente que ele teve pena dela.

– Vê o galho de ouro naquela árvore ali? Arranca-o e bate no chão com ele três vezes e vê o que vai acontecer. – disse a voz do marido.

Anima fez o que ele disse e logo as bonequinhas voltaram correndo atrás das árvores e pularam de livre vontade para dentro do porta-joias; Anima, sem demora, fechou-o e levou-o para a rainha.

A rainha abriu a caixa e, ao ver todas as bonequinhas dentro dela, riu bem alto.

– Sei quem te ajudou. Não há mais nada que eu possa fazer. Suponho que deve mesmo ficar com meu filho! – disse ela.

Assim que a rainha disse aquilo, o marido de Anima apareceu, levou-a de volta ao palácio, e eles viveram felizes para sempre.

J. Jacobs. Contos de fadas europeus. Principius, 2021.

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