sábado, 13 de novembro de 2021

Cláudio de Cápua (O Mundo Literário em Preto & Branco) José Mauro de Vasconcellos


Indicado por Valter Avancini, participei, no final de 1970, da adaptação da novela de José Mauro de Vasconcellos, "Meu Pé de Laranja Lima". Avancini era velho conhecido, filho do seu Pedro, pedreiro que já trabalhara na casa dos meus avós maternos em Moema.

Numa 5a. feira, dei uma passada pela sede da União Brasileira de Escritores. Na secretaria da entidade, Caio Porfírio, grande contista e secretário administrativo da U.B.E., conversava com um membro de uns 50 anos e de boa aparência. Acomodei-me na sala de estar, quando, de repente, o tal senhor que falava com o Caio chegou-se a mim bastante alterado afirmando que eu tinha ajudado a transformar seu livro (obra consagrada pelo público leitor) em caca. Fiquei sem ação pois não sabia quem era o tal senhor e muito menos a qual livro se referia.

O tal cidadão, após discurso exaltado, saiu, muito bravo, sem se despedir de ninguém. Olhei para o Caio surpreso, indagando quem era aquele sujeito. Caio sorrindo adiantou-me tratar-se do escritor José Mauro de Vasconcellos, autor do "Meu Pé de Laranja Lima", e que estava "fulo" com a TV Tupi, pois achava que a emissora fizera uma péssima adaptação de seu livro.

Bastante irritado com o tal de Zé Mauro, prometi a mim mesmo que, no próximo encontro, caso viesse ele com novas grosserias, iria levar um soco no queixo.

Duas semanas após o episódio com o Zé Mauro, estava eu na U.B.E. quando chega Zé Mauro, passa pela secretaria, atravessa o salão e vem em direção ao bar, onde eu me encontrava. Desabotoei calmamente o meu colete para ter mais mobilidade para o que desse e viesse. Zé Mauro chega e surpreendentemente me abraça emocionado dizendo: - Estou chegando do Rio de Janeiro, da casa da minha mãe, eu sou filho de um comerciante português e uma índia analfabeta da Paraíba.

Emocionado, confessou o que sua mãe lhe dissera: graças à novela conseguira entender do que se tratava o seu livro. Ela me disse com voz embargada: – O livro tem muito de você. – E o Zé Mauro completou: - Se não fosse essa adaptação para novela, minha mãe desconheceria o enredo do meu livro.

Eu não sabia o que falar. Foi a minha vez de ficar emocionado. Caio Porfírio interferiu convidando-nos a uma rodada de cerveja no bar do outro lado da rua.

Depois desse episódio, ficamos grandes amigos, Zé Mauro e eu. Lancei sua candidatura, em 1974, a Intelectual do Ano - "Prêmio Juca Pato", Zé disputou o título com Sérgio Buarque de Holianda e perdeu a disputa. No desenrolar da campanha, a ex-crítica literária do Diário de São Paulo, poetisa Maria Rosa Moreira Lima, co-sogra do Edmundo Monteiro, presidente do Grupo dos Diários Associados, em conversa telefônica, fica sabendo por meu intermédio que o Zé era candidato ao "Prêmio Juca Pato"e a meu pedido votaria nele por ser fã dele e de sua obra.

Eu lhe disse que naquele momento o Zé se encontrava na sede da U.B.E.. Ela me afirmou que gostaria de falar-lhe ao telefone. Quando solicitei ao Zé Mauro que correspondesse ao chamado explicando a causa, veio dele uma das suas respostas impensadas: - Se ela quiser votar em mim que vote mas eu não falo com ninguém sobre esse assunto.

Dei uma desculpa razoável a Maria Rosa. E muito revoltado falei ao Zé: - Você destratou uma senhora de 86 anos e que é sua grande fã, além de ser uma renomada intelectual que merece todo o respeito.

Daí em diante, não lutei mais com o mesmo afinco pela sua candidatura. Entretanto, José Mauro de Vasconcellos, apesar de rude algumas vezes, era bastante emotivo e sempre pronto a ajudar financeiramente a alguém em apuros. Pagava os estudos dos sobrinhos e também dos onze filhos de seu motorista. Nunca se ligou definitivamente a uma mulher. Seus romances eram passageiros e três deles bastante conhecidos: um deles foi Cacilda Becker, quando ela contracenou com ele em Lírios do Campo. Outro, a grande comunicadora de TV, Hebe Camargo, que sempre punha o escritório de sua casa à disposição de Zé Mauro para escrever seus romances. E, posteriormente, a poetisa paulista Mariazinha Congiglio. Nenhum desses romances durou mais do que alguns meses, mas Zé Mauro manteve sempre boa amizade com elas.

Eu já morava em Santos quando, através da rádio, tomei conhecimento da morte do José Mauro. Fiquei sabendo que, após ter feito uma cirurgia, três pontes de safena e uma mamária, o impetuoso Zé Mauro antes de completar 60 dias da delicada cirurgia, resolveu dar um mergulho de 16 metros de profundidade, o que teria ocasionado uma embolia pulmonar fatal.

O velório lotado com cerca de 300 pessoas. Entre estas, Hebe Camargo muito triste e Mariazinha Congiglio, entre lágrimas. Quis o destino que uma das alças do caixão ficasse ao alcance da minha mão e, com tristeza, reportei-me ao enterro de Plínio Salgado, em 1975, quando o mesmo acontecera.

Mais uma vez uma honra cercada de grande tristeza. Assim, despedi-me de outro grande amigo, que em outra dimensão deve ter sido recebido por Cacilda Becker, sua fã que partira antes dele.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retrovisor: crônicas.
1.ed. Santos/SP: Publicação Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pelo escritor.

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