domingo, 7 de novembro de 2021

Oscar Nakasato (Menino na árvore)

Num domingo — era bem cedinho —, o menino subiu na mangueira e não quis descer mais. Era dia de missa, e a obrigação era vestir a melhor roupa — o que se traduzia em calça azul-marinho com pregas e camisa branca de mangas compridas e com botões até o pescoço — e ir à igreja cantar e ouvir o padre Lourenço. O menino cumpria a obrigação em parte, já que quase não prestava atenção às palavras do padre, tão interessado estava sempre nas meninas, que também vestiam as suas melhores roupas.

Um pouco antes das sete horas, a avó viu o menino passar pela cozinha e ir para o quintal sem dizer nada, mas não deu importância. Após preparar a mesa para o café da manhã, chamou o menino e o pai do menino — seu filho —, que estava no quarto vestindo também a sua melhor roupa. O pai respondeu que esperasse só mais um minutinho. O menino não respondeu.

— Onde se meteu esse menino?

Quando o pai foi à cozinha, a avó já estava nervosa.

— O menino desapareceu.

— Como desapareceu?

— Eu já procurei pela casa inteira e não o encontrei.

O pai sabia que o menino detestava ir à missa. Mas era assim: não tinha querer ou não querer. Então a avó viu aquela expressão de ódio, ultimamente tão frequente, embrutecer e enfear o rosto do pai.

— Esse menino precisa é de uma boa surra.

E foi o pai procurar pelo menino, gritando ameaças. Deu uma volta ao redor da casa, procurou nos quartos, olhou até debaixo das camas. Por fim, desistiu.

A avó já estava quase chorando:

— O que aconteceu ao menino?

— Tá na rua. Fugiu pra não ir à missa. Mas ele que me espere!

E foram os dois à igreja.

Era assim: a mãe era bonita e meiga e morreu de câncer após meses de sofrimento. O pai chorou como uma criança, envelheceu e foi morar com a avó porque precisava de alguém que tomasse conta do menino. A culpa, então, era sempre da avó, que precisava tomar conta da criança e não tomava.

No caminho de volta da igreja, ela, resignada, ouviu o que sabia que iria ouvir:

— A culpa é da senhora, mamãe. Não sabe dar bronca, não sabe bater. Em mim a senhora batia.

É claro que batia! Era mãe! E ele que não pensasse que mãe e avó são a mesma coisa. Jamais! Mas ele, que se equilibrava no papel de pai da própria mãe, o que tornava irmãos a avó e o neto, não poderia compreender. Por isso ela se calava, ainda que soubesse que consentia ao ficar quieta.

O pai esperava, ao voltar da missa, encontrar o menino em casa lendo uma revista do Super-homem ou assistindo à televisão. Não o encontrou. Deu uma volta pelas ruas do bairro, foi até o campinho de futebol, procurou nas casas dos amigos do menino. Nada. Quando retornou à casa, agora mais preocupado que bravo, encontrou a avó sorrindo.

— Imagina que o menino estava todo o tempo lá em cima, na mangueira.

Que o menino gostava de subir na mangueira, todos sabiam. Mas em tempo de manga madura, não agora, no meio de agosto, o tempo ainda assim, meio frio. Quem iria imaginar?

— Desce já daí!

O menino estava com os pés apoiados no tronco e encostado em um galho grosso, meio deitado. Nas mãos, uma revista do herói que voa. O pai, embaixo, segurando uma cinta, ameaçava com palavras e gestos. Mas os olhos do menino não eram medrosos. Por que, então, não descia?

A avó não compreendia.

— Você, com essa cara e esse cinto, você acha que o menino vai descer?

— A senhora fique quieta, mãe! Ele é quem sabe. Tá ouvindo? É ele quem sabe! Quanto mais demorar mais vai apanhar!

Se pudesse, se não fosse o problema na coluna, subiria e desceria com o menino à força. Mas não podia. Então continuou gritando:

— Ah, quando eu te pegar!

Mas desistiu. Confiou que o menino logo ficaria com fome e desceria. Então acertaria as contas com o filho.

Quando ficou sozinha embaixo da árvore, a avó, a voz mais mansa que a de costume, perguntou:

— O que você fez de errado? Quebrou alguma coisa do seu pai?

— Eu não fiz nada, vovó.

— Então por que não desce daí?

— Eu gosto de ficar aqui.

Mais cinco minutos de conversa, e a avó também desistiu.

Na hora do almoço, o menino desceu. O pai o esperou na porta da cozinha, com a cinta na mão. O menino não correu. A avó se fechou no quarto para não ver o menino apanhar. E como apanhou! Mas aguentou firme, sem reclamar, sem chorar. Depois foi consolado pela avó, almoçou e voltou à mangueira.

Quando o pai soube, teve um ataque de nervos e quase não conseguiu falar. Não podia entender por que o menino o estava afrontando. Foi até a mangueira e novamente gritou insultos e ameaças.

— Ele que fique por lá — disse, enfim.

No final da tarde, apareceu um amigo, que chamou o menino para jogar bola no campinho.

— Não tô com vontade.

— Mas todo mundo vai.

— Hoje não tô com vontade de jogar bola. Eu vou outro dia.

O amigo não insistiu.

No dia seguinte, após ter passado a noite em sua cama, o menino voltou à árvore e não quis ir à escola.

E se passaram dias. O menino descia para comer, ir ao banheiro e dormir. Às vezes, tomava banho. O pai, um dia, trancou o menino no quarto. Que não fosse à escola, mas também não subiria na árvore. O menino ficou o dia inteiro trancado, sem dizer nada, sem pedir à avó que o libertasse. E ele sabia que se pedisse com jeitinho a avó desobedeceria ao filho e abriria a porta. À noite, quando retornou, o pai perguntou ao menino se iria à escola no dia seguinte, e ele respondeu que não. Assim o menino ficou uma semana trancado no quarto.

Numa segunda-feira, o pai desistiu e deixou a porta do quarto aberta. O menino disparou para o quintal e subiu na mangueira. Os vizinhos ficaram sabendo e foram ver o que estava acontecendo, uns por solidariedade, para ajudar, outros por curiosidade, nunca tinham visto algo assim. Vieram os tios, os primos. Começaram a falar em macumba, em inveja de algum conhecido. Por isso chamaram o padre Lourenço, que ficou dez minutos tentando conversar com o menino. Foi embora prometendo que rezaria muito por ele. Depois, sem que o pai soubesse — Deus me livre se ele ficasse sabendo —, chamaram um curandeiro, que pedia como pagamento da visita o que a família quisesse dar. Não adiantou. Falaram em loucura e chamaram um psiquiatra.

Nada. Vieram os amigos da escola, a professora. Até que o pai decidiu:

— Vou cortar essa maldita árvore!

Alguns aprovaram, outros foram contra. A avó consultou o psiquiatra, que achou absurda a ideia. Mas estava decidido. Um dia, ao tomar o café da manhã e correr para o quintal, o menino não encontrou a árvore. Ele ficou dez minutos parado, olhando o vazio que restara no lugar da velha mangueira.

Depois nunca mais se soube do menino. Um inquérito policial foi instaurado, e o pai disse que no dia do corte da árvore foi trabalhar e, ao voltar para o almoço, não encontrou mais o filho. A avó, com os olhos perdidos em algum ponto da parede da delegacia, afirmou que o neto desaparecera enquanto estava no banheiro. O inquérito foi arquivado.

O pai e a avó não falam mais sobre o assunto. Uns dizem que o menino enlouqueceu de vez e foi internado pelo pai num sanatório, na capital. Outros dizem tê-lo visto com uma mochila na rodoviária, tomando um ônibus. Há aqueles que acreditam que quando a nova mangueira — plantada pelo pai no lugar da outra — crescer, o menino voltará.

Fonte:
Luiz Ruffato (org.). Antologia de contos paranaenses. Curitiba, PR: Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.

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