domingo, 21 de novembro de 2021

Minha Estante de Livros (“A Serpente de Bronze”, de Humberto de Campos)


A “Serpente de Bronze” é o primeiro livro de crônicas escrito por Humberto de Campos com o pseudônimo Conselheiro XX, publicado em 1921. É inspirado, no que se refere ao título e às temáticas, em textos bíblicos, assim como a primeira obra do cronista, intitulada “Da seara do Booz”.

O livro assinado com o pseudônimo marca uma mudança no estilo de escrita do autor, que passa da crítica social e política feita de modo direto e formal, para a crítica disfarçada, envolta em ironia. Esse livro contém textos na forma de anedotas, histórias pitorescas e espirituosas, de tom malicioso, que provocam o riso.

Os textos do Conselheiro XX apresentam um narrador onisciente intruso. As crônicas remetem a acontecimentos históricos, e neles o narrador manifesta juízos de valor, além de fazer algumas denúncias. Mitologicamente, a “serpente” remete à maldade e à tentação. Pode representar, também, castigo e punição. Por sua vez, o livro A serpente de bronze parece representar simbolicamente a realidade, o cotidiano, o poder, a corrupção, as doenças, a sexualidade, o dia-a-dia. Se a serpente mitológica castiga, a serpente do Conselheiro XX aplica um castigo aos poderosos e aos políticos.

A serpente, na obra de Humberto de Campos, pretende alertar as pessoas sobre os problemas que ocorrem na sociedade. A “serpente de bronze”, no livro, remete à ideia de denúncia, de renovação dos valores e dos comportamentos. As crônicas, em geral, constituem-se em sátiras do poder.

No livro em questão, o autor emite opiniões que, no Brasil de 1920, são consideradas absurdas pela extrema “falta de decoro”.

O Conselheiro XX – sem o público saber de quem se trata – abusa da imaginação, do ceticismo, da graça e da jovialidade.

De acordo com Macário de Lemos Picanço, o Conselheiro XX só tinha um intuito, que era o de fazer rir aos leitores, mas para o crítico Múcio Leão, citado na obra de Picanço, o Conselheiro XX era a forma de Humberto de Campos se sustentar:

Homem de gosto, de sensibilidade e poesia, não acrediteis que Humberto de Campos deixasse de sentir a atroz tristeza de assumir aquela humilhante caracterização. Mas, se era aquela a sua forma de ganhar a vida?... No íntimo o poeta andaria a percorrer os jardins suaves, onde se apraziam as Armidas dos seus sonhos. Mas, se a sua literatura refletisse apenas a pureza e a doçura, quem lhe pagaria os miseráveis mil réis, que os contos rabellaisianos do Conselheiro XX cada quinzena lhe garantiam?"

Humberto de Campos não nega a autoria das crônicas assinadas pelo Conselheiro XX e assume que seus textos vão contra a moral religiosa e patriarcal das famílias brasileiras, mas acredita que as críticas ao Conselheiro XX são excessivas.

Nas crônicas de “Serpente de Bronze”, a anedota e a metáfora são ainda mais frequentes do que nos demais livros do autor. Assim como em “A bilha” e “O troco”, em “Ninho de Curió”, a anedota é adotada pelo autor para contar uma história que possui um final cômico.

As características desses textos de Humberto de Campos provêm do cômico-sério, como a “fusão do sublime e do vulgar, do sério e do cômico”. Outro recurso utilizado por ele é a paródia, que aparece constantemente nas crônicas da obra “Serpente de Bronze”. No livro, o autor constantemente parodia uma obra, seja de modo cômico ou por meio da ironia, com o intuito de ridicularizar uma situação. A Bíblia é o principal livro a ter algumas de suas passagens parodiadas, como pode ser percebido em “A mulata” e “A Santa Casa”.

A crônica “A Santa Casa”, por exemplo, é um texto inspirado numa sátira à Emílio de Menezes. O Conselheiro XX usa a ironia para ampliar e exagerar os detalhes, fazendo uma espécie de caricatura textual. “A santa Casa” apresenta uma linguagem objetiva, com a influência da oralidade. O texto é uma crítica à Santa Casa do Rio de Janeiro, porém escrita na forma de anedota. O cronista conta, com precisão de detalhes, que um homem bateu à porta do céu para entrar. Através dessa crônica, o autor critica as condições de funcionamento da Santa Casa do Rio de Janeiro. No texto, Campos coloca o morto como “vítima”. A crônica traz informações sobre o estado da Santa Casa e, também, faz ironia com o homem que morreu vinte anos antes. Desse modo, é perceptível, em Campos, a “revitalização da linguagem” da crônica.

Portanto, a crônica vai deixando cada vez mais a formalidade, para comentar os fatos que acontecem num tom de humor e, assim, divertir o leitor. É o que se confirma na crônica de Humberto de Campos. A linguagem é leve, descompromissada e une a crítica à ironia.

“A Santa Casa” é um texto que pode ser enquadrado em várias classificações. Pode ser uma “crônica especializada satírico-humorística”, na acepção de Luiz Beltrão, porque tem o objetivo de criticar, ridicularizando e ironizando os fatos e os personagens. E nesse texto, Humberto de Campos critica e, principalmente, ironiza a problemática situação da Santa Casa. A crônica também pode ser considerada uma “crônica-informação”, na definição de Afrânio Coutinho, porque traz as
informações, através da divulgação dos fatos, tecendo comentários ligeiros – e não pessoais –, mais genéricos e que, provavelmente, manifestam uma opinião semelhante à da maioria dos leitores. Em “Santa Casa” o autor fornece informações sobre a precariedade do hospital carioca; e pode ser, ainda, de acordo com a classificação proposta por Antonio Cândido, uma “crônica-diálogo”, porque é uma conversa do cronista com seu interlocutor imaginário, ou uma conversa entre os personagens criados pelo autor. E essa crônica de Humberto de Campos pode-se enquadrar nesta classificação de Cândido em razão dos diálogos entre os personagens criados, exemplificado entre São Pedro e o homem já falecido.

Diferentemente dos outros livros do autor, nesse, como se verifica na crônica recém comentada, estão pequenos detalhes do cotidiano, escritos de modo irônico e cômico. O texto termina de forma satírica; parece piada. Nos textos assinados com o pseudônimo “Conselheiro XX”, o autor vale-se do conhecimento que possui sobre o assunto e aproveita-se disso para revelar seu “outro eu”. Todas as temáticas dos textos são abordadas num tom de sátira, revelando as opiniões que o autor não ousa emitir quando publica as crônicas com o seu próprio nome. Nos textos, evidencia-se, ininterruptamente, o posicionamento pessoal e irônico de Campos.

A ironia e o humor do Conselheiro XX chamam a atenção para a composição dessas crônicas. Os textos são recheados de ideias implícitas, que deixam a opinião do autor aparecer de modo subliminar. O autor subverte a linguagem e torna a leitura um ato de exercitar a inteligência. O cômico aparece justamente quando os assuntos tratados, mesmo sendo sérios, são transformados em caricaturas. O Conselheiro XX provoca o riso, na medida em que recorre à ironia para castigar os personagens que são inspirados na realidade.

Deste modo, torna-se perceptível que em “A serpente de Bronze” a opinião do narrador fica, ora implícita, ora explícita. Quem escreve é o Conselheiro XX, um cronista despreocupado, que tem como objetivo promover a polêmica e não está preocupado com as respostas dos indivíduos atingidos por suas críticas.

Os textos do livro são, todos, “crônicas especializadas satírico-humorísticas”, na definição de Beltrão, porque ridicularizam e satirizam uma situação, embora alguns possam também ser enquadrados em outras categorias.

É importante salientar que o material teórico sobre o autor é quase inexistente.

O artigo completo em pdf (10 páginas) de autoria da Prof. Ms. Roberta Scheibe - Universidade de Passo Fundo, pode ser baixado em http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2007/resumos/R0077-1.pdf

Fonte:
Trechos do artigo da Prof. Ms. Roberta Scheibe, “Sob o véu da imaginação: O humor e a ironia nas crônicas de Humberto de
Campos”, disponível em Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – VIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Sul – Passo Fundo – RS, no link acima.

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