segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Francesco Petrarca (Poesia sem Fronteiras) 2


SONETO LX


Louro gentil que amei por tantos anos,
enquanto o teu desdém não me feria,
minha arte à tua sombra refloria,
débil, crescendo em meio aos desenganos.

Depois, seguro eu já de tais enganos,
de doce a duro lenho passaria,
e para um alvo só se voltaria
minha mente: cantar seus tristes danos.

Que há de dizer quem por amor suspira,
se outra esperança os versos meus renove
ultimamente, e enfim por ti a perde?

Poeta nenhum te colha mais, nem Jove
tenha esse privilégio, e do Sol a ira
seja tal que te seque a rama verde.
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SONETO LXV

Em mim, triste, a lembrança mal se anima
do dia em que a ferir-me veio o Amor,
passo a passo tornando-se o senhor
do meu viver, que comandou de cima.

E não supus, frente ao seu brio e estima,
que falho de firmeza e de valor
fosse o meu peito, esperto já na dor:
e eis o que ocorre a quem o subestima.

Doravante, qualquer defesa é tarda,
senão mesmo provar se muito ou pouco
dói ao Amor o nosso humano rogo.

Não peço já (que tal pedido é louco)
que suportavelmente o peito me arda,
mas que uma parte tenha ela do fogo.
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SONETO XCIII

Escreve — o Amor me disse, imperativo,
tanta vez — o que viste em letras de ouro:
e como a quem me segue descoloro,
deixando-o ao mesmo tempo morto e vivo.

Que o sentiste em ti mesmo, disjuntivo,
dá como exemplo ao amoroso coro;
e que alhures buscaste outro tesouro,
mas te alcancei tão logo, fugitivo.

Se os olhos belos em que me mostrei
e lá onde era o meu gentil reduto,
quando abri do teu peito a fortaleza,

o arco me dão que tudo o mais despreza,
talvez não tenhas sempre o olhar enxuto,
que do pranto me nutro, e o sabes bem.
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SONETO CXXXII

Se amor não é, que é este sentimento?
Mas se é amor, por Deus, que coisa, e qual?
Se boa, por que o efeito é assim mortal?
Se má, por que é tão doce o seu tormento?

Se ardo em querer, por que choro e lamento?
Se não, por que tais queixas, afinal?
É morte viva, ou deleitoso mal?
Como cresce ele em mim, se não o aguento?

E, se o aguento, por que me dói, tão fero,
e entre contrários ventos, frágil barco,
derivo em alto mar, já sem governo?

Pesado de erro, e de sapiência parco,
que eu mesmo já não sei bem o que quero,
e tremo no verão, e ardo no inverno?
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SONETO CCXXVI

De pássaro mais triste e contrafeito
não sei, ou de animal em bosque ameno,
do que eu, se desse belo olhar me alieno,
que é meu sol e meu único sujeito.

Sempre chorar é meu sumo deleito:
dor o riso, e o alimento só veneno,
cuidado a noite, e fosco o céu sereno,
e duro campo de batalha o leito.

Da morte o sono é irmão, como se diz,
de fato, pois subtrai ao coração
esse doce pensar que o aviva e impele.

Torrão no mundo fértil e feliz,
margem florida e plácido rincão
só vós possuís; e eu choro, longe dele.


Fonte:
Francesco Petrarca. O Cancioneiro. Original de cerca de 1370.

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