Em outro mundo, onde a vontade é lei,
Livremente escolhi aquela vida
Com que primeiro neste mundo entrei.
Livre, a ela fiquei preso e eu a paguei
Com o preço das vidas subsequentes
De que ela é a causa, o deus; e esses entes,
Por ser quem fui, serão o que serei.
Por que pesa em meu corpo e minha mente
Esta miséria de sofrer ? Não foi
Minha a culpa e a razão do que me dói.
Não tenho hoje memória, neste sonho
Que sou de mim, de quanto quis ser eu.
Nada de nada surge do medonho
Abismo de quem sou em Deus, do meu
Ser anterior a mim, a me dizer
Quem sou, esse que fui quando no céu,
Ou o que chamam céu, pude querer.
Sou entre mim e mim o intervalo _
Eu, o que uso esta forma definida
De onde para outra ulterior resvalo,
Em outro mundo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Em plena vida e violência
De desejo e ambição,
De repente uma sonolência
Cai sobre a minha ausência.
Desce ao meu próprio coração.
Será que a mente, já desperta
Da noção falsa de viver,
Vê que, pela janela aberta,
Há uma paisagem toda incerta
E um sonho todo a apetecer ?
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Em torno ao candeeiro desolado
Cujo petróleo me alumia a vida,
Paira uma borboleta, por mandado
Da sua inconsistência indefinida.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Enfia a agulha,
E ergue do colo
A costura enrugada.
Escuta: volto a folha
Com desconsolo.
Não ouviste nada.
Os meus poemas, este
E os outros que tenho _
São só a brincar.
Tu nunca os leste,
E nem mesmo estranho
Que ouças sem pensar.
Mas dá-me um certo agrado
Sentir que te os leio
E que ouves sem saber.
Faz um certo quadro.
Dá-me um certo enleio...
E ler é esquecer.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Entre o luar e o arvoredo,
Entre o desejo e não pensar
Meu ser secreto vai a medo
Entre o arvoredo e o luar.
Tudo é longínquo, tudo é enredo.
Tudo é não ter nem encontrar.
Entre o que a brisa traz e a hora,
Entre o que foi e o que a alma faz,
Meu ser oculto já não chora
Entre a hora e o que a brisa traz.
Tudo não foi, tudo se ignora.
Tudo em silêncio se desfaz.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
E ou jazigo haja
Ou sótão com pó.
Bebé foi-se embora.
Minha alma está só.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
E, ó vento vago
Das solidões,
Minha alma é um lago
De indecisões.
Ergue-a em ondas
De iras ou de ais,
Vento que rondas
Os pinheirais!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Epitáfio Desconhecido
Quanto mais alma ande no amplo informe,
A ti, seu lar anterior, do fundo
Da emoção regressa, ó Cristo, e dorme
Nos braços cujo amor é o fim do mundo.
Livremente escolhi aquela vida
Com que primeiro neste mundo entrei.
Livre, a ela fiquei preso e eu a paguei
Com o preço das vidas subsequentes
De que ela é a causa, o deus; e esses entes,
Por ser quem fui, serão o que serei.
Por que pesa em meu corpo e minha mente
Esta miséria de sofrer ? Não foi
Minha a culpa e a razão do que me dói.
Não tenho hoje memória, neste sonho
Que sou de mim, de quanto quis ser eu.
Nada de nada surge do medonho
Abismo de quem sou em Deus, do meu
Ser anterior a mim, a me dizer
Quem sou, esse que fui quando no céu,
Ou o que chamam céu, pude querer.
Sou entre mim e mim o intervalo _
Eu, o que uso esta forma definida
De onde para outra ulterior resvalo,
Em outro mundo.
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Em plena vida e violência
De desejo e ambição,
De repente uma sonolência
Cai sobre a minha ausência.
Desce ao meu próprio coração.
Será que a mente, já desperta
Da noção falsa de viver,
Vê que, pela janela aberta,
Há uma paisagem toda incerta
E um sonho todo a apetecer ?
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Em torno ao candeeiro desolado
Cujo petróleo me alumia a vida,
Paira uma borboleta, por mandado
Da sua inconsistência indefinida.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Enfia a agulha,
E ergue do colo
A costura enrugada.
Escuta: volto a folha
Com desconsolo.
Não ouviste nada.
Os meus poemas, este
E os outros que tenho _
São só a brincar.
Tu nunca os leste,
E nem mesmo estranho
Que ouças sem pensar.
Mas dá-me um certo agrado
Sentir que te os leio
E que ouves sem saber.
Faz um certo quadro.
Dá-me um certo enleio...
E ler é esquecer.
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Entre o luar e o arvoredo,
Entre o desejo e não pensar
Meu ser secreto vai a medo
Entre o arvoredo e o luar.
Tudo é longínquo, tudo é enredo.
Tudo é não ter nem encontrar.
Entre o que a brisa traz e a hora,
Entre o que foi e o que a alma faz,
Meu ser oculto já não chora
Entre a hora e o que a brisa traz.
Tudo não foi, tudo se ignora.
Tudo em silêncio se desfaz.
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E ou jazigo haja
Ou sótão com pó.
Bebé foi-se embora.
Minha alma está só.
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E, ó vento vago
Das solidões,
Minha alma é um lago
De indecisões.
Ergue-a em ondas
De iras ou de ais,
Vento que rondas
Os pinheirais!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Epitáfio Desconhecido
Quanto mais alma ande no amplo informe,
A ti, seu lar anterior, do fundo
Da emoção regressa, ó Cristo, e dorme
Nos braços cujo amor é o fim do mundo.
Fonte:
Fernando Pessoa. Poesias Inéditas (1930 – 1935).
Fernando Pessoa. Poesias Inéditas (1930 – 1935).
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