terça-feira, 2 de novembro de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (De nascença)


Assim que o garoto acorda e após ter tomado o café matinal, corre até onde esta sua mãe e manda a pergunta:

— Mamãe, mamãe, me leva para ver o mar?

— Não, meu filho...

Duas horas depois o moleque volta a insistir:

— Mamãe, mamãe, chegou um circo aqui no bairro. Foi armado logo ali na pracinha. A senhora me leva para ver o leão e o elefante?

— Não, meu filho...

Dia seguinte logo após o almoço a mesma cena se repete:

— Mamãe, mamãe, me leva pra ver o cara que morreu ali no beco, essa noite, com cinco tiros?

— Não, meu filho...

Passa algum tempo e o garoto retorna. Sempre eufórico e sorridente:

—Mamãe, mamãe, me leva pra ver o novo campo de futebol que acabou de ser inaugurado?

— Não, meu filho...

O pobrezinho sai cabisbaixo. Tranca sua solidão no quarto e ali permanece por toda a tarde.

A mãe, condoída, resolve ir até ele. Aproveita para levar o prato que o guri mais gosta:

— Filho!

— Sim, mamãe?

— Trouxe uma coisa pra você...

— ... Já sei. Batatinhas fritas!

— Sim.

— Legal.

— E de lambuja um copo de refrigerante.

— Uau...!

— Promete não ficar ai pelos cantos de tromba e com a cara amuada?

— Só se a senhora me levar na casa do Toninho hoje, às oito horas da noite?

— O que vai ter lá?

— Ele vai reunir a galera e mostrar o brinquedo novo que ganhou do pai. A senhora me leva?

— Não, filho...

Novamente o garoto se fecha num mutismo impenetrável:

— Não quero as batatinhas...

— Mamãe fez com carinho. Coma!

— Não.

— Tome o refrigerante. Está geladinho, como você gosta.

— Não quero, não quero. Prefiro ir na casa do Toninho.

— Não, filho...

No domingo o piá faz a última tentativa:

— Mamãe, mamãe, me leva no cinema?

— Não, filho.

— Está passando o Sherek.

— Não, filho...

— Mas mãe, eu quero ir no cinema. Todos os meus amigos vão ver o Sherek.

— Já disse que não. Por favor, não insista.

O desditoso, não aguenta mais as negativas de sua genitora e se abre, finalmente, num choro convulso:

— Me leva, mãe. Toda a turma aqui do bairro vai ao cinema pra ver esse filme.

— Não, não, e fim de papo.

— Mãe, eu quero ver o Sherek... Eu quero... Me leva por favor, mãe, por favor...

A mulher, indignada e fora de si, esbraveja, furiosa:

— Para de encher minha paciência, seu desgraçado! Não me peça para ir a lugar nenhum... Você não está cansado de saber que é cego?

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Como matar sua mulher sem deixar vestígios. SP: Sucesso, 2012

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