Assim que o garoto acorda e após ter tomado o café matinal, corre até onde esta sua mãe e manda a pergunta:
— Mamãe, mamãe, me leva para ver o mar?
— Não, meu filho...
Duas horas depois o moleque volta a insistir:
— Mamãe, mamãe, chegou um circo aqui no bairro. Foi armado logo ali na pracinha. A senhora me leva para ver o leão e o elefante?
— Não, meu filho...
Dia seguinte logo após o almoço a mesma cena se repete:
— Mamãe, mamãe, me leva pra ver o cara que morreu ali no beco, essa noite, com cinco tiros?
— Não, meu filho...
Passa algum tempo e o garoto retorna. Sempre eufórico e sorridente:
—Mamãe, mamãe, me leva pra ver o novo campo de futebol que acabou de ser inaugurado?
— Não, meu filho...
O pobrezinho sai cabisbaixo. Tranca sua solidão no quarto e ali permanece por toda a tarde.
A mãe, condoída, resolve ir até ele. Aproveita para levar o prato que o guri mais gosta:
— Filho!
— Sim, mamãe?
— Trouxe uma coisa pra você...
— ... Já sei. Batatinhas fritas!
— Sim.
— Legal.
— E de lambuja um copo de refrigerante.
— Uau...!
— Promete não ficar ai pelos cantos de tromba e com a cara amuada?
— Só se a senhora me levar na casa do Toninho hoje, às oito horas da noite?
— O que vai ter lá?
— Ele vai reunir a galera e mostrar o brinquedo novo que ganhou do pai. A senhora me leva?
— Não, filho...
Novamente o garoto se fecha num mutismo impenetrável:
— Não quero as batatinhas...
— Mamãe fez com carinho. Coma!
— Não.
— Tome o refrigerante. Está geladinho, como você gosta.
— Não quero, não quero. Prefiro ir na casa do Toninho.
— Não, filho...
No domingo o piá faz a última tentativa:
— Mamãe, mamãe, me leva no cinema?
— Não, filho.
— Está passando o Sherek.
— Não, filho...
— Mas mãe, eu quero ir no cinema. Todos os meus amigos vão ver o Sherek.
— Já disse que não. Por favor, não insista.
O desditoso, não aguenta mais as negativas de sua genitora e se abre, finalmente, num choro convulso:
— Me leva, mãe. Toda a turma aqui do bairro vai ao cinema pra ver esse filme.
— Não, não, e fim de papo.
— Mãe, eu quero ver o Sherek... Eu quero... Me leva por favor, mãe, por favor...
A mulher, indignada e fora de si, esbraveja, furiosa:
— Para de encher minha paciência, seu desgraçado! Não me peça para ir a lugar nenhum... Você não está cansado de saber que é cego?
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Como matar sua mulher sem deixar vestígios. SP: Sucesso, 2012
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