(Paródia a uma sátira de Emílio de Menezes)
As nuvens começavam a tomar uma cor arroxeada, anunciando o fim do crepúsculo e o inicio de uma noite soturna, quando alguém bateu, medroso, à luminosa porta do Céu.
- Quem bate? - gritou, de dentro, São Pedro, arrastando as suas sandálias de couro e tilintando, trêmulo, a sua enorme penca de chaves.
- Sou eu! - respondeu de fora o recém-chegado.
Aberta a portinhola do parlatório, informou o retardatário haver sido despachado da vida naquele dia, com destino à mansão dos justos, onde devia, portanto, ser admitido.
- Aqui? - observou o apóstolo, espantado. - Aqui. não. Todas as pessoas que tinham de entrar hoje, já entraram. Não falta mais nenhuma.
E bondoso:
- Não será engano seu, meu filho? Você não terá sido despachado para o Purgatório?
O peregrino admitiu a hipótese de uma confusão, e, saltando de nuvem em nuvem, como quem salta de rochedo em rochedo, foi ter à porta de fogo do Purgatório, onde bateu.
- Quem vem lá? - trovejou um anjo, escancarando, com um gancho, a rubra fornalha das penitências.
O desventurado deu o seu nome, e, momentos depois, reabria-se o forno.
- Há engano na direção, camarada! - informou o guardião, soprando, severo, a sua vermelha espada de chama. - O seu lugar não será no Inferno? Aqui, é que não é. Não consta nada sobre a sua pessoa!
E, fechando a fornalha, deixou-o na amplidão, tristonho, solitário, abandonado, tendo aberto, apenas, à sua frente, o caminho escuro do Inferno. Resolvido a cumprir o seu destino, tomou o infeliz esse rumo, até ir ter, corajoso, à porta da caverna formidável.
- Quem é? - rugiu, de dentro, uma voz que parecia um trovão.
Tremendo de pavor, o mísero deu o seu nome, e esperava, já, o instante de ser precipitado nas enormes caldeiras ferventes, quando o portão monstruoso se abriu, dando passagem aos chavelhos de ferro de Belzebu.
- Quem o mandou para cá? - indagou o bruto, acendendo os olhos.
- A mim? - gemeu o desventurado. - Ninguém. Fui ao Céu, disseram-me que não era lá. Fui ao Purgatório, e informaram-me a mesma coisa. Logo, é aqui, por força.
O Diabo meditou um instante, consultou umas chapas de ferro incandescente que estavam próximas, e protestou, firme:
- Aqui, também, não é!
- Não?
- Não; absolutamente! - tornou o Capeta. - O seu lugar deve ser mesmo no Céu. O Pedro está muito velho, já, e, com certeza, não viu bem. Volte lá! Volte lá!
Um momento depois, estava o desgraçado, de novo, à porta do Paraíso.
- Outra vez? - observou São Pedro, paciente.
- Outra vez, sim, - confirmou, grosso, a vítima. - O meu lugar não é no Purgatório, não é no Inferno; deve ser, forçosamente, aqui. Veja bem!
O apóstolo enforquilhou os óculos no nariz, abriu o livro em que estavam registrados os nomes das almas, folheou, folheou, folheou, e, de repente, voltando-se, indagou:
- Diga-me uma coisa: onde foi que você morreu?
- Eu? Na Santa Casa do Rio de janeiro! - respondeu a vítima.
E o chaveiro, escancarando a porta:
- É aqui mesmo, entre!
E mostrando o livro:
- A culpa não foi minha, filho! Você devia vir para cá, daqui a vinte anos!
E aborrecido:
- Esta Santa Casa tem me estragado a escrita!...
As nuvens começavam a tomar uma cor arroxeada, anunciando o fim do crepúsculo e o inicio de uma noite soturna, quando alguém bateu, medroso, à luminosa porta do Céu.
- Quem bate? - gritou, de dentro, São Pedro, arrastando as suas sandálias de couro e tilintando, trêmulo, a sua enorme penca de chaves.
- Sou eu! - respondeu de fora o recém-chegado.
Aberta a portinhola do parlatório, informou o retardatário haver sido despachado da vida naquele dia, com destino à mansão dos justos, onde devia, portanto, ser admitido.
- Aqui? - observou o apóstolo, espantado. - Aqui. não. Todas as pessoas que tinham de entrar hoje, já entraram. Não falta mais nenhuma.
E bondoso:
- Não será engano seu, meu filho? Você não terá sido despachado para o Purgatório?
O peregrino admitiu a hipótese de uma confusão, e, saltando de nuvem em nuvem, como quem salta de rochedo em rochedo, foi ter à porta de fogo do Purgatório, onde bateu.
- Quem vem lá? - trovejou um anjo, escancarando, com um gancho, a rubra fornalha das penitências.
O desventurado deu o seu nome, e, momentos depois, reabria-se o forno.
- Há engano na direção, camarada! - informou o guardião, soprando, severo, a sua vermelha espada de chama. - O seu lugar não será no Inferno? Aqui, é que não é. Não consta nada sobre a sua pessoa!
E, fechando a fornalha, deixou-o na amplidão, tristonho, solitário, abandonado, tendo aberto, apenas, à sua frente, o caminho escuro do Inferno. Resolvido a cumprir o seu destino, tomou o infeliz esse rumo, até ir ter, corajoso, à porta da caverna formidável.
- Quem é? - rugiu, de dentro, uma voz que parecia um trovão.
Tremendo de pavor, o mísero deu o seu nome, e esperava, já, o instante de ser precipitado nas enormes caldeiras ferventes, quando o portão monstruoso se abriu, dando passagem aos chavelhos de ferro de Belzebu.
- Quem o mandou para cá? - indagou o bruto, acendendo os olhos.
- A mim? - gemeu o desventurado. - Ninguém. Fui ao Céu, disseram-me que não era lá. Fui ao Purgatório, e informaram-me a mesma coisa. Logo, é aqui, por força.
O Diabo meditou um instante, consultou umas chapas de ferro incandescente que estavam próximas, e protestou, firme:
- Aqui, também, não é!
- Não?
- Não; absolutamente! - tornou o Capeta. - O seu lugar deve ser mesmo no Céu. O Pedro está muito velho, já, e, com certeza, não viu bem. Volte lá! Volte lá!
Um momento depois, estava o desgraçado, de novo, à porta do Paraíso.
- Outra vez? - observou São Pedro, paciente.
- Outra vez, sim, - confirmou, grosso, a vítima. - O meu lugar não é no Purgatório, não é no Inferno; deve ser, forçosamente, aqui. Veja bem!
O apóstolo enforquilhou os óculos no nariz, abriu o livro em que estavam registrados os nomes das almas, folheou, folheou, folheou, e, de repente, voltando-se, indagou:
- Diga-me uma coisa: onde foi que você morreu?
- Eu? Na Santa Casa do Rio de janeiro! - respondeu a vítima.
E o chaveiro, escancarando a porta:
- É aqui mesmo, entre!
E mostrando o livro:
- A culpa não foi minha, filho! Você devia vir para cá, daqui a vinte anos!
E aborrecido:
- Esta Santa Casa tem me estragado a escrita!...
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1921.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1921.
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