sábado, 13 de novembro de 2021

Barão de Itararé (Versos Diversos) 4

A VER NAVIOS


No porto, à tarde, passo horas ideais,
Vendo a entrada e a saída dos vapores
E ouvindo os altos gritos infernais,
Dos marujos e o ruído dos motores.

Mas, além disso, mora em frente ao cais,
Uma menina, linda como as flores,
Dona duns lindos olhos tentadores,
Olhos tão belos que não têm iguais.

Se chove ou venta, a angélica donzela,
Talvez seguindo um paternal conselho,
Não deita o rosto fora da janela.

E é por isso que nestes dias frios,
Batendo o queixo e de nariz vermelho,
passo a tarde inteira a ver navios.
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DERRETIDO

Que calor, santo Deus! A gente sua,
Por quantos poros tem para suar?
O sol malvado, que no céu flutua,
Parece e creio que nos quer torrar.

Mas não quero saber se há sol na rua...
Eu prometi... eu prometi passar
E hei de vê-la, custe o que custar,
Que um homem de palavra não recua.

40 graus ! Em ponto algum há sombra.
Esse calor, contudo, não me assombra,
Que tenho o peito em fogo convertido.

Mas, se ela surge ou vem me ver passar
E sobre mim dardeja o seu olhar,
Então, sim! Fico todo derretido...
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DESESPERO

Minha amada — uma pérola sem jaça —
Já declarou, perante o mundo inteiro,
Que só se casará (ai! que desgraça!)
Com um homem de juízo e de dinheiro.

O que será de mim? Por mais que faça
O fado ingrato que me ver solteiro.
Sinto fugir-me o sonho alviçareiro
De me casar e perpetuar a raça.

Juízo? — Bem sei não tenho, que estou louco,
Pela ingrata, que me enche de feitiço,
Com o estranho fulgor dos olhos místicos.

Dinheiro? — Trinta contos... É bem pouco
Não chegam para nada... e além disso
Os meus contos são contos… humorísticos…
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JUVENTUDE ESTUDIOSA

O tufão das paixões na juventude
Em nosso ser um fogo estranho ateia.
Qualquer olhar suspeito nos enleia,
Qualquer sorriso arisco nos ilude.

A nossa alma, robusta na virtude,
Vive de sonhos e quimeras cheia.
O sangue nos borbulha em cada veia,
Em borbotões de força e de saúde.

Mas agora, nesta época de estudo,
Devemos abafar, antes de tudo,
Este fogo nas folhas d'um compêndio.

Pois não convém passar pelo vexame,
De vermos os bombeiros, num exame,
extinguir com suas bombas este incêndio.
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PRESENTE DE ANO BOM

Neste ruidoso dia, em que começa
Um novo ano, eu venho, reverente,
Pedir de tua bondade um bom presente,
Que um prêmio mau não é coisa que se peça.

Quero um presente bom (desculpa-me essa
Exigência atrevida e impertinente)
Um presente dos outros diferente,
Que eu não possa esquece-lo tão depressa.

Nada te custa o mimo desejado,
Mas deve ser assim sincero e puro,
Como este grande amor puro e sincero.

Renovando as promessas do passado,
Prometendo cumpri-las no futuro,
Podes dar-me um presente como quero...

Fonte:
Apporelly (Barão de Itararé). Pontas de cigarros: livro de versos diversos. Rio de Janeiro: O Globo, 1925.

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