quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Cecy Barbosa Campos (Mundos diferentes)

Mafalda, sentada no banquinho da cozinha, contemplava o nada. Seu olhar ia longe, atravessando a parede e recuando no tempo, até que se encontrou menina, tímida e amedrontada, escutando os ralhos da mãe. Fica quieta, sossega... Vai buscar a vassoura e arrumar o seu quarto direito, que mulher tem que ser boa dona de casa...

Aquelas imagens se misturavam com outras, e via a filha afobada, jogando roupas no chão, enquanto se aprontava.

Mafalda tentava tornar a filha mais organizada mas, naquele momento, de nada adiantava falar. A mocinha apressada não escutava e, passando rapidamente pela mãe, estalava-lhe um beijo na face precocemente sulcada.

Lembrando das atitudes da filha, Mafalda sorria. Bagunceira, sim, mas carinhosa e alegre enchia de vida aquela casa pequena que, sem ela, parecia morta.

Entretanto, Marisa cada vez mais corria e não imita tempo nem paciência para escutar o que a mãe lhe dizia: Isinha, escute, quero lhe falar... Pelo amor de Deus, mãe, Isinha não, meu nome é Marisa... E assim a conversa terminava sem chegar, ao menos, a começar.

Ficava preocupada. Reconhecia na filha muitas qualidades. Tinha bom coração e grande generosidade, mas o seu comportamento era completamente diferente do que Mafalda esperava dela.

Lembrou o susto que levou no dia em que Isinha chegou com os cabelos pintados de exuberante rosa shocking e depois os piercings. Via estas coisas estranhas nas ruas, mas, na sua filha?! Não poderia suportar. Reagiu bravamente. Porém, de nada adiantou. A filha ria e, de maneira brincalhona, chamava-a de ultrapassada...

Passou esta fase, o cabelo ficou louro, e dos piercings só restaram dois, no umbigo e na orelha.

Mafalda até confessou para si mesma que já achava os dois bonitinhos.

Agora, a fase complicada era a dos "relacionamentos". Hoje em dia, explicou Isinha, casamento não existe mais. O casal fica junto enquanto quer, não tem que esperar que a morte os separe. Horrorizada, Mafalda pensou, a princípio, que a filha estava "amigada" e depois concluiu que nem isso, pois os relacionamentos eram muito rápidos...

Neste momento, ouviu a chave girar na fechadura. De um salto, levantou-se do banquinho e pegou uma panela com água para ferver e fazer um bom café, do tipo que Isinha gostava, forte, mas não tanto como o expresso.

Sorrindo, pensou que, afinal, não deveria ficar sofrendo por ver tantas diferenças. O tempo havia passado e, talvez, tanto ela como a filha agissem de maneira extremada para um lado ou para o outro. Entretanto, se amavam e deveriam aceitar-se mutuamente. O aroma do café inundou a cozinha, ao mesmo tempo em que Isinha estalava-lhe um beijo na face radiosa.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora.

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