Eu estava lá e vi o primeiro trem a cruzar a ponte de madeira sobre o Rio Itararé.
Foi emocionante. A locomotiva tipo Maria-Fumaça veio se aproximando, as longas baforadas largando uma extensa espiral branca contra o céu.
O clima era de intensa expectativa; comprovava-se a resistência de uma ponte ferroviária de madeira, sobre o abismo tenebroso e legendário que é o Rio Itararé naquela sua extensão subterrânea, com suas múltiplas gargantas e grutas impressionantes, tão terríveis quanto belas.
O trem entrou devagarinho na ponte, as vigas potentes estalando ao peso do monstro de ferro. Ele foi avançando lentamente e ganhou a outra extremidade. Que emoção!
Foi uma festa aquela estreia. Havia muita gente. Minha mãe e meu pai (com sua inseparável câmera) estavam com Seu Paulo Ferreira, Dona Lucila e os filhos do casal.
Num lugar perigoso como é a Barreira, todo mundo sabe, era mais que natural a extrema vigilância que os mais velhos exerciam sobre nós, os pequenos. Mas Aimée e eu eramos duas garotinhas endiabradas. Não sei de que maneira conseguimos ludibriá-los e ali estávamos agora, bem longe das vistas de nossos pais e irmãos mais velhos, aprontando uma, que hoje me dá arrepios só de lembrar...
Paralela à grade, havia uma pequenina ponte de tábuas unidas, sem grades, que servia aos trabalhadores para o transporte de material mais leve, de um lado para o outro. Era estreita e precária, oferecendo apenas a segurança indispensável a homens adultos, afeitos como aqueles, aos perigos de uma tal construção.
Não lembro de quem partiu a genial ideia (nem fujo à responsabilidade), mas de repente eu e Aimée estávamos atravessando a tal pinguela! E às carreiras, saltando como dois cabritinhos. Num zás estavamos do outro lado, passando sobre a pavorosa garganta lá embaixo, aos gritinhos e pinotes, como se estivessemos pulando amarelinha nas calçadas de nossas casas.
E não contentes, revezavamo-nos, ficando ela numa das margens e eu na outra. A um grito de "Já!", partíamos em disparada e nos encontravamos no meio da pontezinha, saudando-nos às gargalhadas e correndo em direção à margem oposta. Uma farra!
Mas não chegamos a repetir muitas vezes a façanha. No melhor da festa fomos descobertas por nossos pais apavorados, que nos arrancaram dali e se não nos deram umas boas palmadas, foi única e exclusivamente devido ao pânico em que se encontravam, capazes somente de dar graças por terem chegado a tempo de evitar uma tragédia horrorosa...
Revejo as fotos que meu pai bateu nesse dia. Numa, o trem chegando à ponte; noutra, atravessando-a naquele instante memorável que presenciei na inocência travessa de minha infância,
Em várias fotos, ao lado da arrojada construção, aparece a pequena ponte, nosso descontraído brinquedo daquele dia inesquecível.
Hoje, nem amarrada a um cabo de aço me fariam atravessá-la. Mas houve um tempo em que eu era mais valente...
(Tribuna de Itararé - 05/09/84)
Foi emocionante. A locomotiva tipo Maria-Fumaça veio se aproximando, as longas baforadas largando uma extensa espiral branca contra o céu.
O clima era de intensa expectativa; comprovava-se a resistência de uma ponte ferroviária de madeira, sobre o abismo tenebroso e legendário que é o Rio Itararé naquela sua extensão subterrânea, com suas múltiplas gargantas e grutas impressionantes, tão terríveis quanto belas.
O trem entrou devagarinho na ponte, as vigas potentes estalando ao peso do monstro de ferro. Ele foi avançando lentamente e ganhou a outra extremidade. Que emoção!
Foi uma festa aquela estreia. Havia muita gente. Minha mãe e meu pai (com sua inseparável câmera) estavam com Seu Paulo Ferreira, Dona Lucila e os filhos do casal.
Num lugar perigoso como é a Barreira, todo mundo sabe, era mais que natural a extrema vigilância que os mais velhos exerciam sobre nós, os pequenos. Mas Aimée e eu eramos duas garotinhas endiabradas. Não sei de que maneira conseguimos ludibriá-los e ali estávamos agora, bem longe das vistas de nossos pais e irmãos mais velhos, aprontando uma, que hoje me dá arrepios só de lembrar...
Paralela à grade, havia uma pequenina ponte de tábuas unidas, sem grades, que servia aos trabalhadores para o transporte de material mais leve, de um lado para o outro. Era estreita e precária, oferecendo apenas a segurança indispensável a homens adultos, afeitos como aqueles, aos perigos de uma tal construção.
Não lembro de quem partiu a genial ideia (nem fujo à responsabilidade), mas de repente eu e Aimée estávamos atravessando a tal pinguela! E às carreiras, saltando como dois cabritinhos. Num zás estavamos do outro lado, passando sobre a pavorosa garganta lá embaixo, aos gritinhos e pinotes, como se estivessemos pulando amarelinha nas calçadas de nossas casas.
E não contentes, revezavamo-nos, ficando ela numa das margens e eu na outra. A um grito de "Já!", partíamos em disparada e nos encontravamos no meio da pontezinha, saudando-nos às gargalhadas e correndo em direção à margem oposta. Uma farra!
Mas não chegamos a repetir muitas vezes a façanha. No melhor da festa fomos descobertas por nossos pais apavorados, que nos arrancaram dali e se não nos deram umas boas palmadas, foi única e exclusivamente devido ao pânico em que se encontravam, capazes somente de dar graças por terem chegado a tempo de evitar uma tragédia horrorosa...
Revejo as fotos que meu pai bateu nesse dia. Numa, o trem chegando à ponte; noutra, atravessando-a naquele instante memorável que presenciei na inocência travessa de minha infância,
Em várias fotos, ao lado da arrojada construção, aparece a pequena ponte, nosso descontraído brinquedo daquele dia inesquecível.
Hoje, nem amarrada a um cabo de aço me fariam atravessá-la. Mas houve um tempo em que eu era mais valente...
(Tribuna de Itararé - 05/09/84)
Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Livro enviado pela escritora.
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Livro enviado pela escritora.
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