quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Leandro Bertoldo Silva e Valéria Gurgel (Qual o mundo que você quer?)

 (Texto inicial de Leandro Bertoldo Silva, o “Quixote das Gerais”)

Há um tempo escrevi uma reflexão sobre a pandemia e fiquei a pensar como ele, o tempo, muda de perspectiva. O passado já não existe e o futuro ainda virá e, assim, além de acarretar uma sobrecarga no presente, faz muitas coisas se perderem, inclusive nossas responsabilidades com nós mesmos.  

Para quem escreve, excetuando os clássicos, que só são clássicos por nunca serem esquecidos, pode ser meio frustrante se sentir desatualizado ou, no mínimo, ver se tornar desimportante algo tão sério e talvez diminuído na fala dos que ainda virão. Já pensou ouvir daqui a alguns anos algo do tipo: “Ah, não liga não! Esse negócio de pandemia que o vovô fala é láááá do ‘tempo do onça’ (assim como essa expressão). Hoje não tem importância nenhuma, é só uma ‘gripezinha’”. Tomara mesmo ser uma gripezinha com o avanço da ciência… No entanto, na iminência de deixar vivo o alcance de nossos atos, devo acrescentar apenas uma pergunta ao final do escrito. Foi assim…

Que momento vivemos! É engraçado — sim, há “graça” em tudo isso — pensar na única certeza existente: as incertezas.

Sou do tipo de pessoa a acreditar naquele ditado: “se a vida te deu um limão, faça uma limonada”. Pois é, a vida não nos deu um limão, mas uma plantação inteira.

Estou a falar dessa medonha pandemia que em momento algum da humanidade a história registrou algo tão surpreendente. Mas não quero dizer aqui mais do que os jornais, os especialistas e as autoridades já noticiaram; quero ir além do medo, se é possível, e pensar nisso tudo como um grande presente, uma grande oportunidade de uma mudança absurdamente necessária em nossas vidas, pelo menos na minha.

Há tempos vivenciava uma angústia por não conseguir expressar meu sentimento ao olhar para as coisas do mundo, de como as pessoas, e até mesmo eu, iam dispondo suas vaidades, suas “certezas” e opiniões em um mundo tão superficial. De repente a felicidade passou a ser medida pela nossa popularidade, pela quantidade de “amigos” e seguidores e, depois, nem isso – bastam as curtidas, o resto não interessa.

Em um mundo onde tudo virou marketing – e da pior espécie – ao ponto de nos vermos invadidos por uma onda de propagandas de produtos e serviços os quais sequer necessitamos ou temos interesse, em um mundo onde até os sorrisos são vendidos por uma camuflada onda de “gatilhos mentais” para capturar nossa atenção e vender felicidade de forma fácil, para não dizer mágica, a custo da inocência do desejo, vem a vida e nos obriga a parar com tudo isso e a pensar unicamente em sobreviver.

Mas sobreviver para quê?

Para voltar ao que era antes? Voltar ao trabalho da mesma maneira como se nada tivesse acontecido ou simplesmente termos tirado umas férias inesperadas? Voltar às enxurradas de postagens marqueteiras e à vida superficial das redes sociais? Voltar a tratar o outro como inimigo porque pensa diferente, embora também não sejamos obrigados a ser cordiais com quem nos faz mal e termos o direito de nos afastar? E por que não fazemos? Porque temos medo de sermos sinceros com nós mesmos e, por isso, suportamos o insuportável? Sabe aquele pensamento: “eu te respeito, mas isso não significa que eu preciso ser seu amigo?” Sabe aquele trabalho que você realiza porque é obrigado a ganhar dinheiro, pois se não fosse isso você não o faria? Sabe tantas outras coisas ditas e acreditadas pela verdade dos outros?

Pois é… Para esse mundo eu não quero mais voltar.

Quero o mundo onde eu continue a escrever, porque escrever é a minha sobrevivência, mas sem me ver preso nas correntes ocultas a me forçar a divulgar para todo mundo. Deixa-me falar uma coisa: estou a compreender que o que fazemos não é para todo mundo… Este blog não é para todo mundo, os meus livros não são para todo mundo, nem mesmo este texto é para todo mundo, mas para quem, por alguma razão, se alinha com o meu estado de espírito e com a minha forma de pensar. Pode não ser, e certamente não é, melhor e nem pior do que a de ninguém; é simplesmente minha e nossa para quem nos irmanamos. E isso basta.

Quero o mundo onde a obrigação de trabalhar não destrua o prazer que o trabalho me traz e nem mesmo faça parte da minha vida; onde as pessoas entendam o meu jeito de fazer as coisas. Pode até não ser o delas, e está tudo bem.

Quero o mundo onde eu tenha menos amigos virtuais e mais amigos reais. O mundo onde a tecnologia seja usada a meu favor e não o contrário. O mundo o qual não seja preciso me afastar das pessoas para dizer o quanto gosto delas e futuramente eu me arrepender de não tê-lo feito. Quero um mundo tão diferente…

Sabe o que mais penso de tudo isso?

Para esse mundo poder existir eu precisarei ressignificar dentro dele quem eu sou ou quem eu fui. Não é ele a mudar, mas eu na minha ignorância de me fechar em meus medos por achar não dar conta dos desafios que é não pertencer a lugares, relacionamentos, formas de trabalho há muito perdidas por não mais acreditar dessa ou daquela maneira.

E aqui está a “graça”, não hilária, mas da permissão de sermos autênticos e fazermos diferente, pois, embora a palavra mudança traga calafrios gigantescos em nossos corações, nos colocamos nessa situação de ter nela a única forma de salvar a nós mesmos e os outros, nos olhando de verdade e transformando as incertezas em possibilidades.

E VOCÊ, QUAL O MUNDO QUE VOCÊ QUER?

E aqui acrescento a pergunta a tornar essa reflexão universal e duradoura, a considerar a vitória da ciência. Passado tudo isso e a olhar para você, mas olhar bem, em qualquer tempo e em qualquer lugar, responda: é esse o mundo que você quis?
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QUAL O MUNDO QUE VOCÊ QUER?

por Valéria Gurgel


Eu dei a minha resposta! Uma carta desabafo que gostaria muito que também fosse lida por Miguel de Cervantes! Claro, se ele hoje pudesse ter acesso às nossas atuais realidades, mas, que para dizer a verdade, vejo que o mundo e a humanidade não caminha! Até hoje mal rasteja por aí! E percebo que dentro de cada um de nós habita um Dom Quixote e um Sancho Pança!!! Vamos à resposta.
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Querido amigo “Quixote das Gerais”, Don Leandro Bertoldo! Essa é a minha humilde carta, que eu, Valéria Gurgel, gostaria ter enviado para Miguel de Cervantes!

Se eu pudesse analisar o mundo em que vivemos, baseado no contraste entre o Cavalheiro Sonhador que nos inspira a agir e o de seu Fiel Escudeiro realista e sua revigorante humanidade, eu diria que seguimos oscilando o pêndulo da razão e da emoção.

Essa busca constante pelo equilíbrio tão almejado que poderia dar fim ao egoísmo, chaga sangrenta essa, que só atrasa o processo evolutivo da humanidade, não cessa. Somos bombardeados a cada século, a cada ano, meses, dias, horas por inúmeros e constantes desafios. Doenças, conflitos familiares, conflitos internos, externos, desigualdades, insanidades inumanas e limitações financeiras, físicas, psíquicas, que resultam em letargiar nossas ações, reações e decisões no cotidiano da vida. E tudo isso vem recheando os nossos mais lindos sonhos deixando-os com um leve sabor amargo de decepção.

Sabemos que viver é uma dádiva, um verdadeiro presente que nos foi concedido pelo criador. Por isso, e por um sentimento que nos invade às vezes, a vida nos instiga a aventurar-se a…

Aí mora o precioso quixotismo imbatível, romântico e sonhador que não nos deixa esmorecer e amarelar o verde de nossas esperanças. Que faz despertar o brilho nos olhos e aquele desejo de fazer acontecer, ainda que quantas vezes, nem sabemos como ou por onde seguir.

Diante a essa competição desenfreada, cruel, onde os verdadeiros valores, vem sendo substituídos por prazeres vãos. Vitórias que jamais conhecerão derrotas, competidores que não enxergam o seu adversário com o mesmo valor e respeito, atropelamentos sucessivos acontecem nessa desenfreada corrida que pisa em cima do outro para se elevar, sucessos que jamais entenderam o que é trabalho. A Selva de pedras devoradora das oportunidades e do papel de destaque.

Ou podemos optar por estagnarmos as ideias, os projetos, os desejos, os sentimentos, por excesso de realismo deprimente, que também não nos conduz a nenhum porto seguro. E morremos frustrados, decepcionados, quantas inúmeras vezes em uma única vida, sem sequer descobrirmos: aonde habita o nosso verdadeiro propósito por trás de tudo isso!?

Lamentavelmente ainda nos perdemos entre o passado e o futuro, entre o medo e a coragem, entre o sonho e a realidade, deixando escapar de nossas mãos esse autoconhecimento de entender, afinal, o que viemos fazer aqui. E nessas angústias existenciais, vamos perdendo o nosso precioso tempo, presente, que é a única coisa real na qual ainda temos um certo controle substancial.

As nossas inquietações pançônicas urgem e nos tornamos leões com garras abertas prontos para atacar, quando o assunto é família, sobrevivência, e defender o nosso condado familiar repleto de carências existenciais e limitantes crenças, medos, bloqueios mentais nos quais somos submetidos de geração a geração, até mesmo sem entender o porquê de tudo isso.

Então, afinal, quem somos nós? Cavalheiros Errantes ou Fiéis Escudeiros, meros acompanhantes? Somos os seguidores da tropa, da grande massa de pés no chão, ou o fidalgo com a cabeça nas estrelas, que mira um oásis no horizonte, ainda que caminhando sobre as areias escaldantes do deserto? Somos simplesmente humanos, ou, desejamos ser?

Como defensores de nossas subjetividades temos o direito de sermos, de querermos, porém, o ciclo vicioso, do “te ver e não te querer, é improvável, é impossível” como diz a letra da música de Francisco Eduardo Amaral e Samuel Rosa de Alvarenga, é um labirinto cruel, sem fim, que às vezes, não nos leva a lugar nenhum. Entender e valorizar o Ser, sem o Ter, é um processo longo e diário.

Portanto, vale a pena gargalharmos por nossas supostas infelicidades ou fracassos assim entendidos por nós e se formos motivos de chacotas por almejarmos algo maior que nós mesmos, que saibamos seguir adiante, com a certeza de que ainda que pareça distante essa conquista, toda longa caminhada sempre começa com o primeiro passo. Às vezes, esse primeiro passo possa representar muita atitude.

Rotulados de covardes sempre seremos, pela sociedade Quixotesca, porque os Sanchos se recusam a entrar em combates fadados ao fracasso. Rotulados de loucos sempre seremos, pela sociedade Panciana, dos Sanchos que não acreditam que a vida é aquele cenário paradisíaco, palpável, de justiça e ao alcance de todos e de nossos olhos ilusórios de cristal. A trajetória vai sendo escrita e precisa ser lida, relida, pontuada e corrigida diversas vezes. É um verdadeiro percurso sinuoso, que não se conclui em decisões retilíneas. Onde tanto o Cavalheiro como o Escudeiro, precisam interagir-se num bom diálogo interno, pautado com vírgulas do bom senso, exclamações de encantamentos, interrogações, na hora do medo, aspas, para enfatizar cenários específicos, parênteses para repensar situações para, no final da história, fecharmos a última página sem nenhumas reticências, e sim um certeiro ponto final.

Nossas querências jamais serão capazes de responder afinal qual o mundo queremos viver. O mundo de Quixote, ou o mundo de Sancho Pança? Sabemos que muitos são os que nem sequer vivem, apenas sobrevivem!

Mas, diante tudo isso, amigo Don, em pleno século XXI e um mundo tão caótico e repleto de incertezas, de uma coisa eu tenho a certeza, que a verdadeira realidade das escolhas individualistas, não são nem uma coisa nem outra. E como já dizia Martin Luther King “O que mais me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”!

Fonte:
Texto enviado por Leandro Bertoldo, administrador do blog Árvore das Letras

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