domingo, 6 de fevereiro de 2022

Manuel Du Bocage (Sonetos) V

“ÂNSIAS TERRÍVEIS, ÍNTIMOS TORMENTOS”


Ânsias terríveis, íntimos tormentos,
Negras imagens, hórridas lembranças,
Amargosas, mortais desconfianças,
Deixai-me sossegar alguns momentos.

Sofrei que logre os vãos contentamentos
Que sonham minhas doidas esperanças;
A posse de alvo rosto, e loiras tranças,
Onde presos estão meus pensamentos.

Deixai-me confiar na formosura,
Cruéis ! Deixai-me crer num doce engano,
Blasonar de fantástica ventura.

Que mais mal me quereis, que maior dano
Do que vagar nas trevas da loucura,
Aborrecendo a luz do desengano ?
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“CANTA AO SOM DOS GRILHÕES O PRISIONEIRO”

Canta ao som dos grilhões o prisioneiro,
Ao som da tempestade o nauta ousado,
Um, porque espera o fim do cativeiro,
Outro, antevendo o porto desejado;

Exposta a vida ao tigre mosqueado
Gira sertões o sôfrego mineiro,
Da esperança dos lucros encantado,
Que anima o peito vil, e interesseiro;

Por entre armadas hostes destemido
Rompe o sequaz do horrífico Mavorte,
Co’ triunfo, co’a glória no sentido:

Só eu (tirano Amor! tirana Sorte!)
Só eu por Nise ingrata aborrecido
Para ter fim meu pranto espero a morte.
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“FIEI-ME NOS SORRISOS DE VENTURA”

Fiei-me nos sorrisos de ventura
Em mimos femininos, como fui louco!
Vi raiar o prazer, porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura.

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo úmido e ouço,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lobrega floresta!

Ah! Não me roubou tudo a negra sorte;
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.
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“OLHA , MARÍLIA, AS FLAUTAS DOS PASTORES”

Olha , Marília, as flautas dos pastores,
Que bom que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-te! Olha não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali, beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha para,
Ora nos ares sussurrando gira:

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,
Mais tristeza que a morte me causara.
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“OH TREVAS, QUE ENLUTAIS A NATUREZA”

Oh trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra, e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza.

Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim Plutão se goza,
Não aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que vós minha tristeza;

Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.

Volvei pois, sombras vãs, ao fogo eterno,
E lamentando a minha desventura,
Movereis a piedade o mesmo inferno.
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“TRISTE QUEM AMA, CEGO QUEM SE FIA”

Triste quem ama, cego quem se fia
Da feminina voz na vã promessa!
Aspira a vê-la estável! Mais depressa
O facho apagará, que espalha o dia.

Alada exalação, que na sombria
Tácita noite os ares atravessa,
Foi comigo a paixão volúvel dessa
Que o peito me afagava, e me feria.

Do desengano o bálsamo lhe aplico,
E a teus laços, Amor, sem medo exponho
Dos benéficos céus o dom mais rico.

Vejo mil Circes plácido, risonho;
E se fé me prometerem, ouço e fico
Como quem despertou de aéreo sonho.

Fonte:
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. SP: FTD, 1994. Disponível na Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

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