quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Jaqueline Machado (O coração delator)

Até que ponto nossa lucidez mental pode, de fato, ser considerada lúcida e nossa insensatez uma coisa verdadeiramente insana e irracional? A que tipo de tormentos somos diariamente acometidos pelas adversidades psicológicas da vida?

O personagem do conto O CORAÇÃO DELATOR, escrito por Edgar Alan Poe, convive com tormentos terrivelmente abstratos. E frequentemente ouve coisas que os outros não ouvem.

Por essa razão, ele é tido por muitos como alguém que sofre de doenças mentais. A pessoa em questão, jura apenas sofrer de ansiedade e de uma certa sensibilidade auditiva aguda. De loucura, não. Jamais! Dentre seus tormentos, o principal concentra–se no olhar do Amo com quem vive.

Segundo a sua “visão”, os olhos do velho lhe pareciam aterrorizantes, saltados, embranquecidos, medonhos. Ao seu ver, eram olhos de abutre que lembravam a morte. Aquele olhar lhe incomodava, lhe causava impulsos nervosos, tirava–lhe o sossego e precisava ser eliminado.

Afinal, olhos assim devem ser expurgados do mundo para que os cidadãos permaneçam em paz. Com sagacidade e sentimento de justiça, planejou a morte do homem que nunca lhe fizera mal. Numa certa noite escolhida, o homicídio se fez inevitável. A fim de livrar-se dos sinais do crime, esquartejou e enterrou a vítima embaixo do assoalho da casa.

Os vizinhos, depois de ouvirem barulhos estranhos, acionam a polícia. O crime seria pleno ou quase perfeito não fossem as batidas do coração do ser imolado que parecia martelar a cabeça do assassino. Na verdade, esses sons eram a sua consciência denunciando a culpa de sua alma doente.

Bem sabemos que dessa metáfora podemos extrair muitas verdades...

Exemplo: a sociedade segue adoecida, e o branco que fica aflito com a presença do negro, o rico que menospreza o pobre e o moralista que desvia o olhar da prostituta, discretamente, comete o mesmo crime. Resta-nos saber quando suas consciências os deletarão.

Quem tem ouvidos para ouvir ouça ...E indague-se: Até que ponto nossa lucidez mental pode, de fato, ser considerada lúcida e a nossa insensatez uma coisa verdadeiramente insana e irracional? A que tipo de tormentos somos diariamente acometidos pelas adversidades psicológicas da vida?

Fonte:
Texto enviado pela autora

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