quinta-feira, 23 de junho de 2022

Caldeirão Poético XLVIII


ALDA PEREIRA PINTO
Rio de Janeiro/RJ, 1919 – ????

Sonatina XII

É bom que eu viva ao léu, pois me acostumo
à solidão que assusta a quem não crê,
pois se de algum receio eu sou mercê,
passeio, canto e ando, rio e fumo.

Num certo dia que virá, presumo,
não tendo amigos nem sequer você,
talvez que eu me lamente, só porque
a sorte não nos pôs no mesmo rumo.

E, se ao chegar a hora em que se apaga
a luz da vida, uma saudade vaga
quiser velar na minha soledade,

ouvidos não darei ao seu alento,
porque saudade é sempre sofrimento
por mais que seja alegre uma saudade.
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ALFREDO DE ASSIS
Riachão/MA, 1881 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

Pranto e riso


No pranto da criança não diviso
mágoa nenhuma: é todo luz e encanto.
Tem, nuns restos de céu, de paraíso,
toda a doçura matinal de um canto.

Mas de um velho, num rápido sorriso,
mágoas profundas eu percebo, entanto.
No pranto da criança, há quase um riso;
no sorriso do velho, há quase um pranto.

Um velho ri: — É um por-de-sol que chora;
chora a criança: — É como se uma aurora
um chuveiro de pétalas abrisse.

E tem muito mais luz, mais esperança,
a lágrima nos olhos da criança
que o sorriso nos lábios da velhice.
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ALICE DE PAULA MORAES
Ilhabela/SP, 1908 – ????

Horas iguais


Outono... As andorinhas friorentas
em bandos já desertam dos beirais...
São mais tristes as tardes macilentas
e as rosas já desmaiam nos rosais...

O meu outono! As horas passam lentas,
cheias de nostalgias, sempre iguais!
Ó coração, por que é que te atormentas?
Estanca o pranto, não soluces mais!

Depois verás, mais triste e mais cansado,
quando as nuvens, em forma de novelos,
rolarem pelo céu, em fins de agosto,

verás sim, coração desconsolado,
que estão muito mais brancos meus cabelos
e as rugas são mais fundas no meu rosto!
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ALINE BRITTO SOARES
Rio de Janeiro/RJ

Cântico do Nordeste


Já não ouvem as palmas dos coqueiros
doces palavras vindas de além-mar;
não lhes sussurram cânticos brejeiros
trêfegos ventos vindos de ultramar.

Onde andarão os vendavais arteiros
que suas folhas vinham estalar,
pelas noites sem fim, dias inteiros,
nuvens de areia levantando ao ar?

Já outras nuvens que, rolando ao léu,
bailavam, céleres, no azul do céu,
não sombreiam os belos coqueirais.

O árido solo de cuidados urge.
Torna-se agreste a cada sol que surge.
Secam-se os rios nos mananciais!

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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