quarta-feira, 1 de junho de 2022

Paulo Leminski (Versos Diversos) 17

nomes a menos


Nome mais nome igual a nome,
uns nomes menos, uns nomes mais.
Menos é mais ou menos,
nem todos os nomes são iguais.

Uma coisa é a coisa, par ou ímpar,
outra coisa é o nome, par e par,
retrato da coisa quando límpida,
coisa que as coisas deixam ao passar.

Nome de bicho, nome de mês, nome de estrela,
nome dos meus amores, nomes animais,
a soma de todos os nomes,
nunca vai dar uma coisa, nunca mais.

Cidades passam. Só os nomes vão ficar.
Que coisa dói dentro do nome
que não tem nome que conte
nem coisa pra se contar?
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proema

Não há verso,
tudo é prosa,
passos de luz
num espelho,
verso, ilusão
de ótica,
verde,
o sinal vermelho.

Coisa
feita de brisa,
de mágoa
e de calmaria,
dentro
de um tal poema,
qual poesia
pousaria?
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Eu, hoje, acordei mais cedo
e, azul, tive uma ideia clara.
Só existe um segredo.
Tudo está na cara.
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o que quer dizer

para Haroldo de Campos,
translator maximus


O que quer dizer, diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.
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um metro de grito
(máquinas líquidas)


Leiam-se índices,
mil olhos de lince,
entre meus filmes,
leonardos da vinci.
Abri-vos, arcas, arquivos,
súmulas de equívocos,
fechados,
para que servem os livros?

Livros de vidro,
discos, issos, aquilos,
coisas que eu vendo a metro,
eles me compram aos quilos.
Líquidas lâminas,
linhas paralelas,
quanto me dão
por minhas ideias?
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sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor?
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Carrego o peso da lua,
Três paixões mal curadas,
Um saara de páginas,
Essa infinita madrugada.

Viver de noite
Me fez senhor do fogo.
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não.
Esse, eu mesmo carrego.
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volta em aberto

Ambígua volta
em torno da ambígua ida,
quantas ambiguidades
se pode cometer na vida?
Quem parte leva um jeito
de quem traz a alma torta.
Quem bate mais na porta?
Quem parte ou quem torna?
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o hóspede despercebido

Deixei alguém nesta sala
que muito se distinguia
&de alguém que ninguém se chamava,
quando eu desaparecia.
Comigo se assemelhava,
mas só na superfície.
Bem lá no fundo, eu, palavra,
não passava de um pastiche.
Uns restos, uns traços, um dia,
meus tios, minhas mães e meus pais
me chamarem de volta pra dentro,
eu ainda não volte jamais.
Mas ali, logo ali, nesse espaço,
lá se vai, exemplo de mim,
algo, alguém, mil pedaços,
meio início, meio a meio, sem fim.

Fonte:
Paulo Leminiski. Distraídos venceremos.  Publicado em 1987.

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