Franchville é uma pequena cidade estacionada no tempo, como todos devem saber, na costa de Solent. Apesar de ela ser tranquila atualmente, já foi muito barulhenta, e quem fazia barulho eram os ratos. O lugar estava infestado de ratos que não valia a pena morar ali. Não existia celeiro, milho empilhado, armazém ou armário de cozinha onde eles não conseguissem entrar. Faziam furos nos queijos e esvaziavam barris de açúcar. Nem hidromel, nem cerveja nos tonéis escapavam da fome deles. Faziam buraco no alto do tonel, um rato enfiava o rabo comprido, e quando tirava o rabo dali ia passando para os amigos e primos, cada um chupando seu gole.
Tudo estaria bem se só estivessem procurando por comida, mas eles guinchavam, chiavam e corriam tanto que as pessoas não conseguiam ouvir o som da própria voz ou dormir à noite, sem falar que as mães precisavam ficar alertas e vigiar os berços dos bebês ou arriscar ver uma ratazana horrorosa correndo sobre o rosto do pobrezinho e fazendo sabe-se lá que maldades.
Mas será que a boa gente da cidade não tinha gatos? Sim, tinham, e a luta era grande, mas no final como os ratos eram em maior número, os bichanos sempre perdiam a briga.
Veneno? Claro que envenenaram muitos ratos, mas a praga continuou.
Exterminadores de ratos?! Não havia nenhum de John O´Groats a Land´s End que não tivesse tentado a sorte. Mas fosse lá o que fizessem, gatos, veneno, cães ou ratoeiras, cada vez parecia haver mais ratos, e a cada dia um novo rato movia o rabo e erguia os bigodes.
O prefeito e o conselho da cidade já não aguentavam mais. Certo dia, quando estavam todos sentados na prefeitura tentando pensar sobre o problema e maldizendo sua sorte, quem entrou ali foi o delegado.
– Por favor, honrados senhores, – disse ele – chegou à cidade um sujeito muito esquisito. Não sei bem o que fazer com ele.
– Mande-o entrar! – ordenou o prefeito, e assim foi feito.
Era mesmo um sujeito esquisito. Não havia cor do arco-íris que faltasse nas suas roupas, era
alto e magro com olhar penetrante.
– Sou um bom gaiteiro. – começou a dizer. – Digam-me, quanto estão dispostos a me pagar para que eu os livre dos ratos em Franchville?
Eles tinham muito medo dos ratos, mas não queriam gastar seu dinheiro e tentaram pechinchar. Mas o gaiteiro não era de ouvir bobagens, e no final prometeram pagar-lhe cinquenta libras (que era muito dinheiro naquela época) assim que não houvesse mais nenhum rato guinchando ou correndo por Franchville.
O gaiteiro saiu da prefeitura e levou a gaita aos lábios, soltando um som agudo que ecoou nas ruas e casas. E a cada nota que saía da gaita, a visão era estranha, porque de cada buraco iam saindo os ratos aos tropeções. Não havia rato velho ou jovem demais, muito alto ou muito baixo que não se aglomerasse junto ao gaiteiro, erguendo os pés e o nariz, e o seguisse pelas ruas.
O gaiteiro se preocupava com os ratinhos que mal sabiam andar, por isso parava de vez em quando e fazia mais um floreio na gaita só para lhes dar tempo de acompanhar os mais velhos e mais fortes na multidão.
Subiu a Rua de Prata e desceu a Rua de Ouro, e ao final dessa rua havia o porto, com a grande costa de Solent adiante. E, enquanto ele caminhava devagar e com seriedade, as pessoas da cidade chegavam às portas e janelas, mandando bênçãos.
Muitos ratos se aproximavam dele. Ao chegar às margens da água, o gaiteiro entrou em um barco e, enquanto avançava nas águas profundas sem parar de tocar a gaita, todos os ratos o
seguiram, salpicando água a torto e a direito, movendo os rabos com satisfação. O gaiteiro continuava a tocar sua gaita sem parar até que a maré desceu, e cada um dos ratos foi se afundando mais e mais no lodo pegajoso do porto e por fim todos morreram.
A maré voltou a subir, o gaiteiro foi para terra firme, e nenhum rato o seguiu. A essa altura os moradores da cidade deveriam estar atirando seus chapéus para o alto, gritando urras, parando para olhar os buracos vazios dos ratos e fazendo os sinos da igreja repicar, mas quando o gaiteiro pisou em terra firme e já não se ouvia nenhum guincho, o prefeito, o conselho e quase todos os moradores da cidade começaram a resmungar e balançar a cabeça.
Isso porque o baú com o dinheiro da cidade infelizmente estava vazio, e de onde tirariam as cinquenta libras prometidas? Além do mais, fora um trabalho bem simples! O gaiteiro só precisara entrar em um barco e tocar sua gaita! Se alguém tivesse pensado nisso, o próprio prefeito poderia ter feito o serviço.
Então ele continuou a resmungar e por fim disse:
– Venha, meu bom homem. Percebe como somos pobres. Não podemos pagar-lhe cinquenta libras. Você pode aceitar apenas vinte? No final das contas será um bom pagamento pelo pouco trabalho que teve.
– Negociei meu trabalho por cinquenta libras, – disse o gaiteiro secamente – e se fosse você pagaria logo. Sabe que posso tocar muitos tons diferentes na gaita como muita gente descobriu a duras penas.
– Está nos ameaçando, seu vagabundo? – gritou o prefeito ao mesmo tempo em que piscava um olho para o conselho.
– Os ratos morreram todos afogados. – continuou em voz mais baixa.
– Pode nos ameaçar quanto quiser, meu bom homem.
E assim dizendo, deu-lhe as costas.
– Muito bem! – disse o gaiteiro, sorrindo tranquilamente. E colocou os lábios na gaita de novo, mas dessa vez não saíram dela sons agudos como se fossem guinchos, arranhões e dentes roendo; dessa vez eram sons alegres e harmoniosos, como risadas felizes em meio a brincadeiras, e enquanto ele caminhava pelas ruas, os mais velhos debochavam, mas todas as crianças foram saindo das salas de aula, dos quartos de brinquedo, dos berçários e locais de trabalho com enorme alegria e entusiasmo, gritando e seguindo o chamado do gaiteiro.
Dançando, rindo de mãos dadas e com pés que tropeçavam, a alegre multidão subiu a Rua de Ouro e desceu a Rua de Prata, e além ficava a floresta verdejante e fresca cheia de antigos carvalhos e faias por todos os lados. Por entre os carvalhos era possível ver de relance o casaco multicolorido do gaiteiro e ouvir as risadas das crianças que iam desaparecendo aos poucos enquanto adentravam na mata onde o homem estranho caminhava, e elas o seguiam.
O tempo todo os mais velhos observavam e esperavam. Agora já não zombavam. E, por mais que observassem e esperassem, nunca mais puseram os olhos no gaiteiro com seu paletó multicolorido, o coração deles não se alegrara com a canção e a dança das crianças que iam desaparecendo em meio aos velhos carvalhos da floresta para nunca mais voltar.
Tudo estaria bem se só estivessem procurando por comida, mas eles guinchavam, chiavam e corriam tanto que as pessoas não conseguiam ouvir o som da própria voz ou dormir à noite, sem falar que as mães precisavam ficar alertas e vigiar os berços dos bebês ou arriscar ver uma ratazana horrorosa correndo sobre o rosto do pobrezinho e fazendo sabe-se lá que maldades.
Mas será que a boa gente da cidade não tinha gatos? Sim, tinham, e a luta era grande, mas no final como os ratos eram em maior número, os bichanos sempre perdiam a briga.
Veneno? Claro que envenenaram muitos ratos, mas a praga continuou.
Exterminadores de ratos?! Não havia nenhum de John O´Groats a Land´s End que não tivesse tentado a sorte. Mas fosse lá o que fizessem, gatos, veneno, cães ou ratoeiras, cada vez parecia haver mais ratos, e a cada dia um novo rato movia o rabo e erguia os bigodes.
O prefeito e o conselho da cidade já não aguentavam mais. Certo dia, quando estavam todos sentados na prefeitura tentando pensar sobre o problema e maldizendo sua sorte, quem entrou ali foi o delegado.
– Por favor, honrados senhores, – disse ele – chegou à cidade um sujeito muito esquisito. Não sei bem o que fazer com ele.
– Mande-o entrar! – ordenou o prefeito, e assim foi feito.
Era mesmo um sujeito esquisito. Não havia cor do arco-íris que faltasse nas suas roupas, era
alto e magro com olhar penetrante.
– Sou um bom gaiteiro. – começou a dizer. – Digam-me, quanto estão dispostos a me pagar para que eu os livre dos ratos em Franchville?
Eles tinham muito medo dos ratos, mas não queriam gastar seu dinheiro e tentaram pechinchar. Mas o gaiteiro não era de ouvir bobagens, e no final prometeram pagar-lhe cinquenta libras (que era muito dinheiro naquela época) assim que não houvesse mais nenhum rato guinchando ou correndo por Franchville.
O gaiteiro saiu da prefeitura e levou a gaita aos lábios, soltando um som agudo que ecoou nas ruas e casas. E a cada nota que saía da gaita, a visão era estranha, porque de cada buraco iam saindo os ratos aos tropeções. Não havia rato velho ou jovem demais, muito alto ou muito baixo que não se aglomerasse junto ao gaiteiro, erguendo os pés e o nariz, e o seguisse pelas ruas.
O gaiteiro se preocupava com os ratinhos que mal sabiam andar, por isso parava de vez em quando e fazia mais um floreio na gaita só para lhes dar tempo de acompanhar os mais velhos e mais fortes na multidão.
Subiu a Rua de Prata e desceu a Rua de Ouro, e ao final dessa rua havia o porto, com a grande costa de Solent adiante. E, enquanto ele caminhava devagar e com seriedade, as pessoas da cidade chegavam às portas e janelas, mandando bênçãos.
Muitos ratos se aproximavam dele. Ao chegar às margens da água, o gaiteiro entrou em um barco e, enquanto avançava nas águas profundas sem parar de tocar a gaita, todos os ratos o
seguiram, salpicando água a torto e a direito, movendo os rabos com satisfação. O gaiteiro continuava a tocar sua gaita sem parar até que a maré desceu, e cada um dos ratos foi se afundando mais e mais no lodo pegajoso do porto e por fim todos morreram.
A maré voltou a subir, o gaiteiro foi para terra firme, e nenhum rato o seguiu. A essa altura os moradores da cidade deveriam estar atirando seus chapéus para o alto, gritando urras, parando para olhar os buracos vazios dos ratos e fazendo os sinos da igreja repicar, mas quando o gaiteiro pisou em terra firme e já não se ouvia nenhum guincho, o prefeito, o conselho e quase todos os moradores da cidade começaram a resmungar e balançar a cabeça.
Isso porque o baú com o dinheiro da cidade infelizmente estava vazio, e de onde tirariam as cinquenta libras prometidas? Além do mais, fora um trabalho bem simples! O gaiteiro só precisara entrar em um barco e tocar sua gaita! Se alguém tivesse pensado nisso, o próprio prefeito poderia ter feito o serviço.
Então ele continuou a resmungar e por fim disse:
– Venha, meu bom homem. Percebe como somos pobres. Não podemos pagar-lhe cinquenta libras. Você pode aceitar apenas vinte? No final das contas será um bom pagamento pelo pouco trabalho que teve.
– Negociei meu trabalho por cinquenta libras, – disse o gaiteiro secamente – e se fosse você pagaria logo. Sabe que posso tocar muitos tons diferentes na gaita como muita gente descobriu a duras penas.
– Está nos ameaçando, seu vagabundo? – gritou o prefeito ao mesmo tempo em que piscava um olho para o conselho.
– Os ratos morreram todos afogados. – continuou em voz mais baixa.
– Pode nos ameaçar quanto quiser, meu bom homem.
E assim dizendo, deu-lhe as costas.
– Muito bem! – disse o gaiteiro, sorrindo tranquilamente. E colocou os lábios na gaita de novo, mas dessa vez não saíram dela sons agudos como se fossem guinchos, arranhões e dentes roendo; dessa vez eram sons alegres e harmoniosos, como risadas felizes em meio a brincadeiras, e enquanto ele caminhava pelas ruas, os mais velhos debochavam, mas todas as crianças foram saindo das salas de aula, dos quartos de brinquedo, dos berçários e locais de trabalho com enorme alegria e entusiasmo, gritando e seguindo o chamado do gaiteiro.
Dançando, rindo de mãos dadas e com pés que tropeçavam, a alegre multidão subiu a Rua de Ouro e desceu a Rua de Prata, e além ficava a floresta verdejante e fresca cheia de antigos carvalhos e faias por todos os lados. Por entre os carvalhos era possível ver de relance o casaco multicolorido do gaiteiro e ouvir as risadas das crianças que iam desaparecendo aos poucos enquanto adentravam na mata onde o homem estranho caminhava, e elas o seguiam.
O tempo todo os mais velhos observavam e esperavam. Agora já não zombavam. E, por mais que observassem e esperassem, nunca mais puseram os olhos no gaiteiro com seu paletó multicolorido, o coração deles não se alegrara com a canção e a dança das crianças que iam desaparecendo em meio aos velhos carvalhos da floresta para nunca mais voltar.
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