Lúcia desde muito jovem tinha uma autonomia que às vezes lhe rendia bons castigos. Após ingressar na escola pública, despertou para a vida em todos os sentidos. Conheceu um mundo diferente daquele em que vivia até então. Participava de todas as atividades que lhe permitiam. A diretora sempre incentivava seus alunos, não só para as atividades escolares, mas também para as religiosas. Sempre que havia festas na igreja, não se sabia se era atendendo ao pedido do pároco, ela liberava os alunos maiores, de algumas aulas, para pedir, como chamavam à época, “uma joia” a São Benedito, Nossa Senhora das Dores, Santa Cruz ou ao Espírito Santo.
Certa vez, um grupo de dez alunos queria conhecer o local onde nascera Gomes de Sousa, o grande matemático maranhense. Aproveitando a saída para pedir “joia” para Nossa Senhora das Dores, iria até onde fora a casa paterna do conterrâneo ilustre. Saiu logo após a aula de português. Os alunos andaram dois ou três quilômetros por entre árvores e quintais de casas modestas. Lúcia esperava encontrar coisa melhor do que a casa onde morava com seus pais, à beira do Rio Itapecuru. Não tinha nada a ver com suas expectativas, era parecida com a sua.
Mais uma vez projetou-se à altura de Gomes de Sousa e Humberto de Campos. Se os dois tinham sido pessoas tão simples quanto ela, nada a impediria de vencer os obstáculos e um dia chegar pelo menos próximo ao que eles foram. Mas não falava isso para ninguém. Perdia-se em divagações e muitas vezes perguntavam se estava no mundo da lua. Ficava aborrecida, tinha medo de que alguém penetrasse em seus pensamentos e estragasse tudo.
Depois que entraram e olharam a casa de taipa, com poucos cômodos, coberta de palhas de palmeiras e um quintal cheio de fruteiras, voltaram. Paravam em todas as casas. Não poderiam perder aquela caminhada tão longa e voltar de mãos vazias. Batiam palmas nas portas e com a cara mais deslavada, repetiam o mantra: “Uma joia para Nossa Senhora das Dores”.
Recebiam as coisas mais inusitadas: arroz em cacho, espigas de milho verde, galinhas, farinha de mandioca, ovos, etc. Uma senhora queria oferecer alguma coisa à Santa, mas só tinha vinagreira, um arbusto de folhas azedas, que os maranhenses usam para fazer o arroz de cuxá, prato típico daquela região, servido com peixe frito. Os alunos aceitaram um maço enorme da verdura. Voltaram carregados de “joias”.
A diretora disse que poderiam deixar na casa da tabeliã da cidade. Ela mandaria entregar na igreja. Naquela noite, aconteceria um leilão, no coreto localizado entre a igreja e a casa paroquial, onde se concentravam as “joias” compostas de tudo que se poderia imaginar. Dependendo do prestígio do Santo e do alcance dos milagres às promessas dos fiéis. De um boi ao maço de vinagreira, cuja renda o padre usaria nas obras da igreja.
Certa vez, um grupo de dez alunos queria conhecer o local onde nascera Gomes de Sousa, o grande matemático maranhense. Aproveitando a saída para pedir “joia” para Nossa Senhora das Dores, iria até onde fora a casa paterna do conterrâneo ilustre. Saiu logo após a aula de português. Os alunos andaram dois ou três quilômetros por entre árvores e quintais de casas modestas. Lúcia esperava encontrar coisa melhor do que a casa onde morava com seus pais, à beira do Rio Itapecuru. Não tinha nada a ver com suas expectativas, era parecida com a sua.
Mais uma vez projetou-se à altura de Gomes de Sousa e Humberto de Campos. Se os dois tinham sido pessoas tão simples quanto ela, nada a impediria de vencer os obstáculos e um dia chegar pelo menos próximo ao que eles foram. Mas não falava isso para ninguém. Perdia-se em divagações e muitas vezes perguntavam se estava no mundo da lua. Ficava aborrecida, tinha medo de que alguém penetrasse em seus pensamentos e estragasse tudo.
Depois que entraram e olharam a casa de taipa, com poucos cômodos, coberta de palhas de palmeiras e um quintal cheio de fruteiras, voltaram. Paravam em todas as casas. Não poderiam perder aquela caminhada tão longa e voltar de mãos vazias. Batiam palmas nas portas e com a cara mais deslavada, repetiam o mantra: “Uma joia para Nossa Senhora das Dores”.
Recebiam as coisas mais inusitadas: arroz em cacho, espigas de milho verde, galinhas, farinha de mandioca, ovos, etc. Uma senhora queria oferecer alguma coisa à Santa, mas só tinha vinagreira, um arbusto de folhas azedas, que os maranhenses usam para fazer o arroz de cuxá, prato típico daquela região, servido com peixe frito. Os alunos aceitaram um maço enorme da verdura. Voltaram carregados de “joias”.
A diretora disse que poderiam deixar na casa da tabeliã da cidade. Ela mandaria entregar na igreja. Naquela noite, aconteceria um leilão, no coreto localizado entre a igreja e a casa paroquial, onde se concentravam as “joias” compostas de tudo que se poderia imaginar. Dependendo do prestígio do Santo e do alcance dos milagres às promessas dos fiéis. De um boi ao maço de vinagreira, cuja renda o padre usaria nas obras da igreja.
Lúcia levou um susto quando viu a hora. Passava de meio dia. Certamente, seria repreendida quando chegasse na casa. Mesmo sabendo disso, resolveu esperar o lanche que a simpática senhora negra de sorriso largo, vestindo xadrez com avental branco, devido ao adiantado da hora, prontificou-se a fazer, para os alunos, antes de voltarem para casa.
A casa de Lúcia ficava a quatro quilômetros da escola e mais alguns metros até a casa da tabeliã. Ela estava preocupada com a mãe que não fora avisada que se atrasaria naquele dia. Mas, estava faminta. Esperaria. De qualquer maneira o castigo seria certo. Todos sentaram à enorme mesa da sala de jantar. A simpática senhora fez suco de maracujá, fritou alguns ovos que estavam um pouco amassados, colocou dentro dos pães e distribuiu aos alunos. Lúcia comeu apressada, enquanto os outros comiam, calmamente. Agradeceu, despediu-se dos colegas e partiu.
Ao atravessar a ponte sobre o Rio Itapecuru, correu até a casa. Era quase catorze horas. A mãe muito preocupada saíra à sua procura e entrara na casa da irmã para contar que a filha ainda não chegara da escola, até aquela hora. O sobrinho entrou e disse que vira a prima passar correndo em direção à casa da tia.
A mãe voltou aliviada por sabê-la em casa, mas não poderia deixar de corrigi-la para que não voltasse a acontecer tal situação.
“Onde já se viu uma menina de treze anos até àquela hora fora de casa, seja lá por que razões fossem! Duas horas atrasada!” – resmungava nervosa.
Ao chegar, procurou-a pela casa e não encontrou. Perguntou à filha mais velha se viu a irmã. Ela disse que Lúcia entrara no quarto, trocara o sapato e fora para a cozinha.
- Ela falou alguma coisa, onde estava?
- Não. Eu disse a ela que ia apanhar.
A mãe ficou apreensiva e repreendeu a filha por adiantar tal informação. Procuraram Lúcia por todos os lugares e não encontraram. A mãe voltou à casa de sua irmã. Perguntou pela vizinhança e nada da menina.
O sol já declinava no horizonte. O pai chegou e tomou conhecimento da situação. Reclamou da mania da mulher de não ouvir primeiro o porquê da menina se ter atrasado, antes de ameaçar castigá-la. A mãe defendeu-se dizendo que nem vira a filha. A irmã começou a chorar e gritar o nome de Lúcia ao redor da casa. Os parentes e vizinhos foram chegando. Alguém comentou que a mocinha poderia ter fugido com medo. Outros que poderia estar no rio. Não adiantava, já haviam procurado em todos os lugares..
A mãe apanhou uma vela na gaveta da mesa e acendeu aos pés da imagem de São Longuinho e da estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pendurada na parede da sala. Fez promessa para Lúcia aparecer e prometeu ao pai que não castigaria a filha quando chegasse.
Já escurecia. O pai dirigiu-se ao enorme quintal e gritava o nome da filha. Pedia que voltasse para casa que ele não deixaria a mãe molestá-la. Já emocionado dizia:
- Filhinha, vem para casa! Já está ficando escuro! Daqui a pouco pode aparecer algum bicho. Vem que o pai te protege!
Naquele momento, ouviram alguém chorando na direção do rio. O pai correu e todos o acompanharam. Não havia ninguém. Fizeram silêncio e ouviram outra vez o choro. A mãe gritou:
- É ela. É o choro dela!
O pai desorientado correu até o pé de mangueira, olhou para cima e viu o corpo franzino da menina, curvado sobre um galho, abraçado ao tronco, chorando.
Ele subiu tal qual um gato, em dois pulos alcançou a filha e a trouxe no colo. Andou até o quarto e colocou-a na cama. A mãe e a irmã se aproximaram e abraçaram-na. Os vizinhos discretamente foram para suas casas.
A mãe lembrou-se de que a filha ainda não almoçara, mandou que a irmã cuidasse do jantar e levou-a para tomar banho no rio. Só então ela pôde contar da visita à casa de Gomes de Sousa e das “joias” para Nossa Senhora das Dores.
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