quinta-feira, 23 de junho de 2022

Contos e Lendas do Mundo (Birmânia) A promessa

Era uma vez a bela filha de um Homem rico, que estudava na universidade.

Ela era uma aluna muito aplicada e um dia, quando estava sentada próximo à janela da sua sala de aula escrevendo com um estilo(*) numa folha de palmeira, uma fórmula importante que o douto professor estava ditando para a classe, o estilo escorregou das suas mãos cansadas e caiu pela janela, indo parar no chão.

Ela achou que seria desrespeitoso pedir ao professor que fizesse uma pausa, mas se ela se levantasse para ir pegar o estilo, perderia a fórmula. Enquanto estava nesse dilema, um colega seu passou perto da janela, e a moça lhe pediu, num sussurro, que pegasse o estilo para ela.

Ora, o rapaz que passava era um filho de rei e uma pessoa muito má. Fazendo troça, ele respondeu: "Prometa-me que você vai me dar sua primeira flor na primeira noite".

A jovem, absorta na fórmula do professor, compreendeu apenas a palavra flor e aquiesceu com um gesto de cabeça.

Ele logo esqueceu a brincadeira que fizera; a jovem, porém, refletindo sobre o episódio, compreendeu o significado pleno das palavras do príncipe, mas não pensou mais nelas e esperou que tivessem sido ditas de brincadeira.

Ao fim dos respectivos cursos na universidade, o príncipe voltou para o seu reino e logo depois subiu ao trono do pai, e a jovem voltou para sua casa, num reino vizinho, casando logo em seguida com o filho de um homem rico. Na noite do casamento, ela se lembrou do incidente do estilo e, atormentada pela sua consciência, contou ao marido à promessa que tinha feito, expressando, porém, a certeza de que o jovem estava apenas brincando.

"Minha querida", o marido disse. "Quem tem de dizer se estava brincando ou não é o jovem. Uma promessa nunca deve ser quebrada." A jovem, depois de fazer uma reverência diante do marido, partiu imediatamente numa viagem ao reino vizinho, para cumprir a promessa que fizera ao rei, caso ele quisesse cobrar o prometido.

Quando andava sozinha na escuridão, um ladrão a agarrou e disse:

"Que mulher é essa que sai andando pela noite, enfeitada de ouro e joias? Me entregue suas joias e seu vestido de seda".

"Oh, ladrão", a jovem respondeu, "leve minhas joias, mas deixe-me o vestido de seda, pois não posso entrar no palácio do rei nua e cheia de vergonha."

"Não", o ladrão disse. "Seu vestido de seda é tão valioso quanto suas joias. Dê-me o vestido também."

Então a jovem explicou ao ladrão o motivo por que estava viajando sozinha na escuridão.

"Estou impressionado com o seu senso de honra", o ladrão disse. "E, se você me prometer voltar aqui depois de dar a primeira flor ao rei, eu a deixo ir embora."

A jovem fez a promessa, e pôde então continuar viagem.

Ela foi andando até passar sob uma figueira-brava.

"Que mulher é essa, tão jovem e delicada, que vaga sozinha à noite?", o ogro da árvore disse. "Vou comer você, pois todas as pessoas que passam sob a minha árvore depois que escurece me pertencem."

"Oh, ogro", a jovem suplicou. "Por favor, poupe-me, porque se você me comer agora não poderei cumprir a promessa que fiz ao príncipe."

Depois que ela explicou o propósito de sua viagem noturna, o Ogro disse:

"Estou impressionado com seu senso de honra, e, se você me prometer voltar aqui depois de se encontrar com o rei, eu a deixo partir".

A jovem fez a promessa e pôde continuar viagem.

Finalmente, sem nenhum outro incidente, ela chegou à cidade, e logo estava batendo nos portões do palácio do rei.

"Que tipo de mulher é você?", os guardas do palácio perguntaram. "O que pretende vindo ao palácio e pedindo para entrar em plena meia-noite?"

"É uma questão de honra.", a jovem respondeu. "Por favor, digam ao meu senhor, o rei, que sua colega de universidade veio cumprir a promessa."

O rei, que ouvira o tumulto, olhou pela janela do seu quarto e viu a jovem iluminada pela luz das tochas dos guardas, em toda plenitude da sua beleza. Ele a reconheceu e a desejou, mas quando ouviu a sua história, admirou-a por sua fidelidade à promessa e pela coragem de enfrentar todos os perigos e dificuldades para cumprir a palavra.

"Minha amiga", ele disse. "Você é uma mulher maravilhosa, pois coloca a sua honra acima até mesmo do seu recato de donzela. A promessa que lhe pedi não passou de uma brincadeira, e a esqueci. Por isso, volte para o seu marido."

A jovem voltou ao ogro da figueira-brava e disse: "Oh, ogro, coma meu corpo, mas, depois de tê-lo comido, pegue meu vestido de seda e minhas joias e os leve ao ladrão que está me esperando a alguns metros daqui".

O ogro disse: "Amiga, você é uma mulher maravilhosa, porque coloca sua honra acima até da própria vida. Você está livre para partir, pois eu a dispenso da sua promessa".

A jovem voltou então ao ladrão e disse: "Oh, ladrão, tome as minhas joias e o meu vestido de seda. Embora eu tenha que voltar para o meu marido nua e envergonhada, os criados haverão de me deixar entrar, pois vão me reconhecer".

O ladrão respondeu: "Amiga, você é uma mulher maravilhosa, porque coloca a sua promessa acima de joias e de belas roupas. Você está livre para ir embora, pois eu a dispenso da sua promessa".

E assim a jovem voltou para o seu marido, que a recebeu com todo afeto e consideração, e eles viveram felizes para sempre.
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(*) Estilo: Ponteiro ou pequena haste de madeira, metal, osso, pedra etc. com que os antigos escreviam em tábuas recobertas por uma camada de cera

Fonte:
Angela Carter. 103 contos de fadas. Publicado originalmente (Angela Carter's book of fairy tales) em 2005.

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