DAVI DA SILVA e PIPOCÔNCIO SALGADO, amigos de velhos carnavais, se encontram por mera casualidade dentro do metrô super lotado no caminho de volta para casa. Se cumprimentam e logo entabulam conversa animada. A certa altura, Pipocôncio indaga o motivo do sumiço do querido companheiro dos tempos em que moravam na mesma rua e bairro na Casa Verde:
— E ai, amigo Davi, anda sumido?
— Nada, Pipocôncio Todo dia o mesmo esquema: de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Trem cheio, sem lugar para descansar o esqueleto. O ano todo, de segunda a sábado, este percurso tresloucado da Estação da Luz até Santo André. Você é que desapareceu. Faz um tempão que não lhe vejo por aqui...
— Qual o quê, Davi. A rotina segue a de sempre. Igual você. Sem tirar, nem pôr. Trem com gente saindo pelo ladrão, tanto na vinda, quanto na volta, eu em pé no meio dessa multidão de desconhecidos calmo como um templo budista, cheirando sovacos mal lavados, desodorantes vencidos, perfumes que só me fazem espirrar. Sem falar nos infelizes que fazem cara de cachorro sem dono que caiu do caminhão de mudanças. Só me liberto quando pulo fora em Prefeito Saladino.
— Verdade, amigo. Tem total razão.
— Ei, espera lá. Te conheço de longos e bons janeiros. Apesar de não nos vermos há tempos, estou sentindo seu semblante meio que carregado. Algo aborrece a sua paz. Você me passa a impressão de estar entre a bigorna e o martelo.
— Sim, Pipocôncio. E, por conta, me vejo por demais aperreado e sem saber o que fazer.
— Quer falar sobre? Estou aqui. Se abre, mano. Somos amigos faz anos... até onde sei a nossa amizade não surgiu em mesa de boteco, tampouco em copo sujo de birosca.
— Coisa de família.
— Ainda com a Inácia, pois não?
— Ainda com a Inácia. E você firme e forte com a Remilda?
— Eu e a Re, tudo às mil maravilhas. Ei, não mude o rumo da prosa. Acabou de me dizer que está com problemas de família. Começa a cantar...
— Nada demais. Bravatas que ela me conta sobre a sua vida quando no local de trabalho...
— E o que ela te conta, exatamente?
— Deixa baixo. Melhor não remexer com o que está quieto.
— Eu insisto, meu irmão. Abra a guarda.
— OK, Pipocôncio. Talvez você me aconselhe pelo fato de ser mais velho e mais vivido. O que devo fazer? Como agir?
— Sou todos ouvidos.
— A Inácia me engana.
— Qué isso, meu broder! Sério?
— Pois é. Me engana. E pior, fala na minha fuça, com todas as letras.
— E o que o leva a pensar que é verdade? Talvez só esteja testando o seu amor por ela, apenas para sacanear, tirar um sarro... coisas de esposas deixadas de lado. Elas gostam de criar situações para nos deixar constrangidos e embaraçados. Tem dado a devida assistência? Chega junto?
— Sempre. Quase todo dia!
— Meu amigo Davi, me escuta. A sua Inácia é igual a minha Remilda. Ou seja, a sua metade da maçã é uma mulher de fibra, de opinião formada, cabeça feita. Dessas criaturas que não se prestam a enganar quem quer que seja. Sua esposa é honesta. Lembra do nosso tempo de namoro, quando fomos eu, você, Inácia e Romilda conhecer os pais e os irmãos, em Jabaquara? Sinceramente? Acho que você está vendo chifres em cabeça de cavalo. Inácia é honesta, te ama... largue a mão de pensar besteira, homem... por acaso você já pegou alguma coisa, um deslize que seja?
— Nunca.
— Então, meu amigo. Siga em frente. Você me pediu um conselho. O que fazer e como agir. Para deixar as coisas em pratos limpos, de vez em quando dê umas incertas no serviço dela. Leve a beldade pra jantar, pegue um cineminha... mande flores...
— Já fiz tudo isso. Até detetive particular contratei. Apesar de não ter pego nada, ando com pulgas atrás das orelhas. Desde que nos casamos, há cinco anos, ela me diz que tem um admirador secreto, um homem mais novo que eu: resumindo, Pipocôncio, a Inácia tem um amante...
— Um amante?
— Sim, um amante. Estou pensando em mandar a filha da mãe passear. O mais intrigante, meu prezado...
—... Fala logo, Davi. Desembucha... minha estação chegou...
— Desde que nos casamos, ela vem me dizendo que tem um amante. Um amanteeeeeee... e eu sei que não é verdade!
— E ai, amigo Davi, anda sumido?
— Nada, Pipocôncio Todo dia o mesmo esquema: de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Trem cheio, sem lugar para descansar o esqueleto. O ano todo, de segunda a sábado, este percurso tresloucado da Estação da Luz até Santo André. Você é que desapareceu. Faz um tempão que não lhe vejo por aqui...
— Qual o quê, Davi. A rotina segue a de sempre. Igual você. Sem tirar, nem pôr. Trem com gente saindo pelo ladrão, tanto na vinda, quanto na volta, eu em pé no meio dessa multidão de desconhecidos calmo como um templo budista, cheirando sovacos mal lavados, desodorantes vencidos, perfumes que só me fazem espirrar. Sem falar nos infelizes que fazem cara de cachorro sem dono que caiu do caminhão de mudanças. Só me liberto quando pulo fora em Prefeito Saladino.
— Verdade, amigo. Tem total razão.
— Ei, espera lá. Te conheço de longos e bons janeiros. Apesar de não nos vermos há tempos, estou sentindo seu semblante meio que carregado. Algo aborrece a sua paz. Você me passa a impressão de estar entre a bigorna e o martelo.
— Sim, Pipocôncio. E, por conta, me vejo por demais aperreado e sem saber o que fazer.
— Quer falar sobre? Estou aqui. Se abre, mano. Somos amigos faz anos... até onde sei a nossa amizade não surgiu em mesa de boteco, tampouco em copo sujo de birosca.
— Coisa de família.
— Ainda com a Inácia, pois não?
— Ainda com a Inácia. E você firme e forte com a Remilda?
— Eu e a Re, tudo às mil maravilhas. Ei, não mude o rumo da prosa. Acabou de me dizer que está com problemas de família. Começa a cantar...
— Nada demais. Bravatas que ela me conta sobre a sua vida quando no local de trabalho...
— E o que ela te conta, exatamente?
— Deixa baixo. Melhor não remexer com o que está quieto.
— Eu insisto, meu irmão. Abra a guarda.
— OK, Pipocôncio. Talvez você me aconselhe pelo fato de ser mais velho e mais vivido. O que devo fazer? Como agir?
— Sou todos ouvidos.
— A Inácia me engana.
— Qué isso, meu broder! Sério?
— Pois é. Me engana. E pior, fala na minha fuça, com todas as letras.
— E o que o leva a pensar que é verdade? Talvez só esteja testando o seu amor por ela, apenas para sacanear, tirar um sarro... coisas de esposas deixadas de lado. Elas gostam de criar situações para nos deixar constrangidos e embaraçados. Tem dado a devida assistência? Chega junto?
— Sempre. Quase todo dia!
— Meu amigo Davi, me escuta. A sua Inácia é igual a minha Remilda. Ou seja, a sua metade da maçã é uma mulher de fibra, de opinião formada, cabeça feita. Dessas criaturas que não se prestam a enganar quem quer que seja. Sua esposa é honesta. Lembra do nosso tempo de namoro, quando fomos eu, você, Inácia e Romilda conhecer os pais e os irmãos, em Jabaquara? Sinceramente? Acho que você está vendo chifres em cabeça de cavalo. Inácia é honesta, te ama... largue a mão de pensar besteira, homem... por acaso você já pegou alguma coisa, um deslize que seja?
— Nunca.
— Então, meu amigo. Siga em frente. Você me pediu um conselho. O que fazer e como agir. Para deixar as coisas em pratos limpos, de vez em quando dê umas incertas no serviço dela. Leve a beldade pra jantar, pegue um cineminha... mande flores...
— Já fiz tudo isso. Até detetive particular contratei. Apesar de não ter pego nada, ando com pulgas atrás das orelhas. Desde que nos casamos, há cinco anos, ela me diz que tem um admirador secreto, um homem mais novo que eu: resumindo, Pipocôncio, a Inácia tem um amante...
— Um amante?
— Sim, um amante. Estou pensando em mandar a filha da mãe passear. O mais intrigante, meu prezado...
—... Fala logo, Davi. Desembucha... minha estação chegou...
— Desde que nos casamos, ela vem me dizendo que tem um amante. Um amanteeeeeee... e eu sei que não é verdade!
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Texto enviado pelo autor.
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