Ele tamborilava o tampo da mesa. Quem devia chegar se atrasara e o deixara impaciente, pois almejava muito o encontro já marcado com tanta dificuldade. O reatamento que é sempre difícil tinha agora passado tanto tempo, uma única oportunidade, daí a pressa em vê-la chegar e vez por todas resolver pendengas que o tempo, a reflexão e a maturidade se encarregaram de deixar perdoáveis.
Quando essa oportunidade aparece, melhor aproveitá-la. Odiava submeter-se à espera, mas em nome da possível aproximação com a pessoa deixou-se ficar.
- Serão uns momentos. - ruminou.
Com movimentos rápidos e instintivos desenhava círculos imaginários, como um compasso nas mãos de algum paisagista quando inventa praças e jardins e risca em todas as direções. As mãos são as primeiras a denunciar a aflição que está a se sentir.
Nessa tarefa de ajudar o tempo passar desenhou aros de diversos diâmetros que se interligavam; até o sol na sua forma circular e lhe deu no pensamento o poente em cor amarelo-avermelhado, que coincidentemente entrava pelo vão da porta para que a visita ao chegar, entrasse sem o incômodo de bater e esperar, daí a consulta minuto a minuto no relógio sobre a cristaleira de que ela tanto gostava.
O tempo andou e as réstias de luz que o inspiraram na fantasia dos riscos ficaram enegrecidas e acabaram por ser tingidas pelo negror da noite, e quem estava por chegar não apareceu. A porta trazia agora para o interior uns pontos de estrelas do céu escuro e lufadas de vento frio. Ela não viera. Fizera-o esperar e brincou com seus sentimentos. Mais uma vez. Parou com a mão, dissipou os círculos, resfolegou transformando a impaciência em ira e essa em palavrão.
A espera em vão o enlouqueceu, mexeu com seu brio de homem. Levantou-se, ajeitou o chapéu, apagou a luz e saiu trancando a porta. O escuro de dentro se misturou ao de fora. Se ela chegasse que esperasse pelo seu retorno, ou regressasse de onde viera, pois ele não aceitaria caprichos de mulher. Não mais. Mastigou a saliva, engoliu-a com força e respirou longamente.
O vento frio do começo de noite açoitou-lhe o rosto como uma cusparada. Então, ao embrulhar-se mais na capa de lã, vislumbrou um vulto que se entremostrava arcado, agarrado próximo do portão de entrada. Conteve-se por cautela. O que poderia ser? Aproximou--se e para seu espanto certificou-se de que ela ali estava. Por que não entrara?
Chegou-se mais e ouviu em quase sussurro: "Ajude-me, pisei em falso, torci o pé e não consigo mais andar. Jamais quis me atrasar a esse encontro tão esperado por nós, por mim."
Foi o que bastou para que ele aliviasse a tensão da face e dos punhos e fizesse brotar um leve sorriso no rosto cansado amainando as linhas da testa. Amparou-a e a conduziu à entrada. Abriu a porta e a levou até a cadeira que ocupara minutos antes. Descalçou-lhe o pé machucado, analisou o ferimento, apalpou-o de leve e reparou que a entorse não provocara sérias consequências. Uns cuidados especiais de primeira hora bastariam para que a dor fosse embora. Ato contínuo correu à geladeira, preparou uma bolsa com gelo e aplicou-a sobre o pé, fixando-a com uma toalha. Depois desgalhou ramos de alecrim e uns talos de alfazema, amassou-os fazendo com eles uma pasta que aplicou no pé doente, usando a mesma toalha para protegê-lo.
Tudo que pensara de ruim com a demora foi esquecido, pois os fatos que se sucedem numa velocidade louca têm o poder de apagar os do passado. E ele aceitou que assim o fosse.
Ainda a cuidar do ferimento, sentiu os dedos dela correrem sobre seus cabelos, num agradecimento - carinho há muito sonhado. Então seus olhares se encontraram, criaram atração tão grande que ele se ajoelhou, segurou em suas mãos e: "Obrigado por ter vindo." Ia complementar a frase, mas ela: "Obrigada por me aceitar." E ficaram nisso...
Olhos nos olhos, permaneceram assim bom tempo, só percebido pelo ponteiro grande do relógio na cristaleira que seguiu volteando o mostrador em ouro pálido, envelhecido. Até que ela voltou a dizer: "Se você quiser, teremos um novo começo, um novo princípio de vida. Que o passado seja sepultado e que o presente seja a marca de um futuro a dois. Perdão mútuo, sem cobrança. Cada qual completando o outro com o olhar dirigido à frente na conquista do presente e do futuro. Eu me disponho, pois acho que merecemos esta nova chance." Puxou-o para si e lhe ofereceu os lábios.
Antes de aceitá-los, porém, ele se levantou, tomou-a no colo e a depositou, sentada, sobre o tampo da mesa, para que o pé machucado não tocasse o solo. Os riscos circulares e imaginários da impaciência de minutos antes foram testemunhas de um beijo, um longo beijo que selou o pacto que deveria durar para o sempre, reforçando a certeza de que o recomeço por mais difícil possa parecer, quando imaginado e querido, trabalhado com dose certa de doação, dedicação e amor e colocados em prática com o ânimo de perenidade, têm o condão de vingar e florescer como nasce a semente do ingazeiro em beira de rio. Ou qualquer outra semente plantada e tratada com amor.
Basta ter fé e regá-la convenientemente, pois quando se quer e se deseja com fervor tudo de bom acontece.
Quando essa oportunidade aparece, melhor aproveitá-la. Odiava submeter-se à espera, mas em nome da possível aproximação com a pessoa deixou-se ficar.
- Serão uns momentos. - ruminou.
Com movimentos rápidos e instintivos desenhava círculos imaginários, como um compasso nas mãos de algum paisagista quando inventa praças e jardins e risca em todas as direções. As mãos são as primeiras a denunciar a aflição que está a se sentir.
Nessa tarefa de ajudar o tempo passar desenhou aros de diversos diâmetros que se interligavam; até o sol na sua forma circular e lhe deu no pensamento o poente em cor amarelo-avermelhado, que coincidentemente entrava pelo vão da porta para que a visita ao chegar, entrasse sem o incômodo de bater e esperar, daí a consulta minuto a minuto no relógio sobre a cristaleira de que ela tanto gostava.
O tempo andou e as réstias de luz que o inspiraram na fantasia dos riscos ficaram enegrecidas e acabaram por ser tingidas pelo negror da noite, e quem estava por chegar não apareceu. A porta trazia agora para o interior uns pontos de estrelas do céu escuro e lufadas de vento frio. Ela não viera. Fizera-o esperar e brincou com seus sentimentos. Mais uma vez. Parou com a mão, dissipou os círculos, resfolegou transformando a impaciência em ira e essa em palavrão.
A espera em vão o enlouqueceu, mexeu com seu brio de homem. Levantou-se, ajeitou o chapéu, apagou a luz e saiu trancando a porta. O escuro de dentro se misturou ao de fora. Se ela chegasse que esperasse pelo seu retorno, ou regressasse de onde viera, pois ele não aceitaria caprichos de mulher. Não mais. Mastigou a saliva, engoliu-a com força e respirou longamente.
O vento frio do começo de noite açoitou-lhe o rosto como uma cusparada. Então, ao embrulhar-se mais na capa de lã, vislumbrou um vulto que se entremostrava arcado, agarrado próximo do portão de entrada. Conteve-se por cautela. O que poderia ser? Aproximou--se e para seu espanto certificou-se de que ela ali estava. Por que não entrara?
Chegou-se mais e ouviu em quase sussurro: "Ajude-me, pisei em falso, torci o pé e não consigo mais andar. Jamais quis me atrasar a esse encontro tão esperado por nós, por mim."
Foi o que bastou para que ele aliviasse a tensão da face e dos punhos e fizesse brotar um leve sorriso no rosto cansado amainando as linhas da testa. Amparou-a e a conduziu à entrada. Abriu a porta e a levou até a cadeira que ocupara minutos antes. Descalçou-lhe o pé machucado, analisou o ferimento, apalpou-o de leve e reparou que a entorse não provocara sérias consequências. Uns cuidados especiais de primeira hora bastariam para que a dor fosse embora. Ato contínuo correu à geladeira, preparou uma bolsa com gelo e aplicou-a sobre o pé, fixando-a com uma toalha. Depois desgalhou ramos de alecrim e uns talos de alfazema, amassou-os fazendo com eles uma pasta que aplicou no pé doente, usando a mesma toalha para protegê-lo.
Tudo que pensara de ruim com a demora foi esquecido, pois os fatos que se sucedem numa velocidade louca têm o poder de apagar os do passado. E ele aceitou que assim o fosse.
Ainda a cuidar do ferimento, sentiu os dedos dela correrem sobre seus cabelos, num agradecimento - carinho há muito sonhado. Então seus olhares se encontraram, criaram atração tão grande que ele se ajoelhou, segurou em suas mãos e: "Obrigado por ter vindo." Ia complementar a frase, mas ela: "Obrigada por me aceitar." E ficaram nisso...
Olhos nos olhos, permaneceram assim bom tempo, só percebido pelo ponteiro grande do relógio na cristaleira que seguiu volteando o mostrador em ouro pálido, envelhecido. Até que ela voltou a dizer: "Se você quiser, teremos um novo começo, um novo princípio de vida. Que o passado seja sepultado e que o presente seja a marca de um futuro a dois. Perdão mútuo, sem cobrança. Cada qual completando o outro com o olhar dirigido à frente na conquista do presente e do futuro. Eu me disponho, pois acho que merecemos esta nova chance." Puxou-o para si e lhe ofereceu os lábios.
Antes de aceitá-los, porém, ele se levantou, tomou-a no colo e a depositou, sentada, sobre o tampo da mesa, para que o pé machucado não tocasse o solo. Os riscos circulares e imaginários da impaciência de minutos antes foram testemunhas de um beijo, um longo beijo que selou o pacto que deveria durar para o sempre, reforçando a certeza de que o recomeço por mais difícil possa parecer, quando imaginado e querido, trabalhado com dose certa de doação, dedicação e amor e colocados em prática com o ânimo de perenidade, têm o condão de vingar e florescer como nasce a semente do ingazeiro em beira de rio. Ou qualquer outra semente plantada e tratada com amor.
Basta ter fé e regá-la convenientemente, pois quando se quer e se deseja com fervor tudo de bom acontece.
Fonte:
Renato Benvindo Frata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.
Renato Benvindo Frata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.
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