Amélia Tomás
Cantagalo/RJ, 1897 – 1992
PANTEISMO
Vem abrir para o sol os teus olhos contentes
Diante da natureza e, em profano ritual,
Alma! às árvores conta a estranha ânsia que sentes
Em cada ondulação de cada vegetal!
Onde um rumor de vento entre as folhas pressentes,
Ouves um coração que te segreda e é tal
A alta repercussão dessas forças latentes,
Que vês na árvore um templo e na folha um missal.
Talvez, há muito tempo, em séculos distantes,
Por capricho de um deus foste árvore; de então
Guardaste a compreensão dos galhos soluçantes...
E de transmigração para transmigração,
No teu sangue ainda flui, em átomos errantes,
A angústia vegetal que há no teu coração ...
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Américo Falcão
Lucena/PB, 1880 – 1942, João Pessoa/PB
VENCIDO
Há longos anos, num pontal vivia,
firme, na areia, intrépido coqueiro,
alto, esbelto, soberbo... e resistia
todo rigor do rígido pampeiro.
Depois, frágil, sem vida se sentia,
pois, lentamente, o velho mar traiçoeiro
todo o seivoso pé lhe carcomia,
para vê-lo cair como um guerreiro!
E numa tarde lúgubre de agosto
fê-lo tombar exânime, na areia,
envolto na penumbra do sol-posto.
Houve uma cena trágica e sublime.
Chorava, de saudade, a maré cheia...
De certo o mar, se arrependeu do crime.
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Antonieta Borges Alves
Cruzeiro/SP, 1906 – ???, Diadema/SP
CREPUSCULAR
No silêncio da tarde azul de fevereiro,
o horizonte irradia esplendor de cristais!
Até um sabiá que mora no coqueiro
suspendeu, enlevado, os ritmos tropicais...
Tanta calma faz crer que, sob o céu fagueiro,
as almas sem amor já não existem mais,
que a paisagem deslumbra e, pelo mundo inteiro,
todos sabem sentir amenos vesperais!
Mas, enquanto lá fora as nuvens do poente
põem limalhas de céu no espelho da lagoa
e põem no entardecer primícias de arrebol,
tu vais sem perceber o espaço reluzente,
sem prever que não é, não pode ser à-toa
que existe fevereiro e existe a luz do sol!...
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Aparício Fernandes
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ
O PRESIDIÁRIO
Ó meu irmão, meu pobre irmão que choras
as lágrimas sentidas de um culpado,
se a lei dos homens te amargura as horas,
perante Deus ninguém é condenado!
Se a fé te anima e se contrito imploras
O suave amparo do Crucificado,
terás a luz de todas as auroras,
sobrepujando a mancha do pecado!
Não há prisão, nem há força que dobre
o coração que um dia se faz nobre
e tudo aceita sem guardar rancor!
Jesus perdoou Dimas, Madalena...
— Assim, também, à tua amarga pena
abre os seus braços de infinito amor!
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Athos Fernandes
Itaperuna/RJ, 1920 – 1979, Bom Jesus do Itabapoana/RJ
PEDINTES
O pobre pede o pão. O nobre pede o trono.
O santo pede o altar, o crente pede a missa,
e quem das leis sociais sofre amargo abandono
ergue as mãos para o Céu, pedindo por justiça.
Quem ama pede amor. O insone pede o sono.
O mártir pede a cruz, e pede, o herói, a liça.
Pede o inverno o verão. A primavera o outono,
e o sábio pede a luz da verdade castiça!
Quem luta pede a paz. O enfermo pede a cura.
O verme pede a terra e a águia pede a altura
e quem sofre a opressão pede a mão que o redima.
E o Poeta, também, seguindo a mesma norma,
é um mendigo a pedir a pureza da Forma,
a beleza da Ideia e a riqueza da Rima!
Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
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