Áurea Pires da Gama
Angra dos Reis/RJ, 1876 – 1949, Rio de Janeiro/RJ
LIBERTA
Não volto mais! Irei por este mundo escuro
em busca de outro amor, de outra afeição mais nobre.
Adeus! Levo somente a lira e a cruz de pobre,
mas Deus me ajudará na estrada do futuro.
Levante-se minha alma e, rútila, desdobre
as asas da esperança. Eu parto... eu me aventuro
no vasto mar da vida. A estrela que procuro
verei brilhar um dia, embora além sossobre!
Porém, se a rosa branca e pulcra de meus sonhos
fanar-se no embrião, e a morte compassiva
finalmente acabar meus dias enfadonhos,
tu não finjas a dor de uma alma sensitiva,
não! Respeita a mudez dos túmulos tristonhos...
Ai! Não finjas à morta o que fingiste à viva!
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Beatrix dos Reis Carvalho
Rio de Janeiro/RJ, ???
CONTRIÇÃO
Meu Deus, eu sei. Eu sei, não merecia
esse bem que me dás em profusão.
Sofrer é justo como a luz do dia,
mas ser feliz é prêmio, é galardão!
Quase me acostumara à tirania
da vida que castiga, sem razão.
E, para mim, o amor como eu queria
era, longe, uma estrela na amplidão.
Não devia existir, e se existisse,
querê-la não passava de tolice,
que as estrelas não vêm à nossa mão...
Meu Deus! Puseste a estrela em meu caminho!
Por esse amor que é todo o meu carinho,
perdão se duvidei, perdão, perdão!
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Beni Carvalho
Aracati/CE, 1886 – 1959, Rio de Janeiro/RJ
O CAIS
Quando te vejo, velho cais, em ruínas,
perscruto a tua vida secular:
— Manhãs radiosas em que te iluminas!
— Serenas noites de encantado luar!
Viste, partindo, ao canto das matinas,
velhas naus, brancas velas, pelo mar:
— Dourados sonhos, ilusões divinas,
ânsia de descobrir e conquistar!
Hoje, todo em tristeza, te esbarrondas;
mas uma voz oculta, dentre as ondas,
te diz: "A sorte não te foi tão má:
Terás, em ti, esta legenda impressa:
— Recolheste o sorrir do que regressa
e a saudade de quem não voltará".
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Carlyle Martins
Fortaleza/CE, 1899 – 1986
O ENTERRO DO SOL
O sol empalidece entre a seda macia
de um leito de rubis e opalas recamado.
As montanhas, entoando o funeral do dia,
de aromas sem iguais vão perfumando o prado.
Há um pesar pela terra inteira, que dir-se-ia
tudo na escuridão já ficou mergulhado.
Ao longe na ampla várzea enlutada e sombria,
vagaroso se arrasta, em fileiras, o gado.
Torpor e indecisão. Vai chegando a penumbra.
Nuvens fogem do céu. Nada mais se vislumbra
nas matas onde a treva está quase a envolvê-las.
A noite, como um duende, a estender-se por tudo,
atira sobre a terra um manto de veludo
e desfia, no espaço, um rosário de estrelas.
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Carolina Ramos
Santos/SP
VIAGEM DOLOROSA
Enfrento, combalida, a jornada que assume
dimensões de montanha e nuvens de incerteza.
A dúvida recobre o intransponível cume.
A vida tumultua a própria correnteza.
Rochas por toda a parte... e flores sem perfume!
Por todo o lado a escarpa, o abismo sem beleza!
Por todo o tempo, a noite a se estender sem lume,
tornando negro o verde e o azul da natureza.
Mas, seguirei, ferindo as mãos pelos espinhos.
E seguirei, cortando os pés pelos caminhos,
sem temer empecilho e sem temer fracassos,
se souber que me espera apenas uma rosa!
E esta viagem, por fim, tão triste e dolorosa,
me der repouso e paz, no ninho dos teus braços!
Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
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