sexta-feira, 8 de julho de 2022

Caldeirão Poético XLIX


 JOSÉ COELHO ALMEIDA COUSIN
Sacramento/MG, 1897 – 1991, Rio de Janeiro/RJ

Tormento Azul

Partiste. A noite é calma e o luar mavioso
dos silêncios da luz. Noite tão pura
como se Deus abrisse a mão na altura,
todo bênçãos de paz ao mundo ansioso.

Crise de nervos quebrantou-me — e o gozo
do meu sofrer acerba-se em tortura:
a noite é como o cálix de amargura,
que um anjo azul me vem trazer, piedoso...

Perdi-te! Nunca mais! — A lua, entanto,
como a entender-me, em desconsolo infindo,
chora nas folhas pérolas de pranto...

E pelos céus, no meu fatal delírio,
vejo as estrelas, quatro a quatro, abrindo
braços de cruzes para o meu martírio!...
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ARISTÊO SEIXAS
Resende/RJ, 1881 – 1965, São Paulo/SP

Velho

Antes da minha trôpega velhice,
por onde a força do meu pulso andasse,
não sei de algema que se não quebrasse,
não sei de pedra que se não partisse.

Vinha-me aos pés o mar, por que eu o ouvisse,
e temia-me o vento que soprasse;
o próprio monte, que eu subir tentasse,
baixava o dorso, para que eu subisse.

E em mim, só resta a neve dos cabelos!
Fora de mim, a morte, com seu luto,
cheia de espectros e de pesadelos.

A árvore mesma, cujo amor assombra,
levanta as ramas e me esconde o fruto,
derruba as folhas e me nega a sombra!
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ARISTHEU BULHÕES
Maceió/CE, 1909 – 2000, Santos/SP

Novo alento

Encontrei-te na estrada do Destino,
e tuas mãos fidalgas me levaram
pelos campos do amor, num desatino
que meus próprios sentidos estranharam.

Novo horizonte, agora, descortino...
As paisagens sombrias se alegraram.
Sou, de novo, feliz, como em menino,
pois meus anseios já se realizaram.

Antes, na vida, conduzido a esmo,
compartindo o pesar comigo mesmo,
via o meu sonho transformar-se em pó.

Hoje, alentado pelo teu carinho,
tenho flores brotando em meu caminho,
e já não sofro e nem sorrio só!
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BELMIRO BRAGA
Vargem Grande/MG, 1872 – 1937, Juiz de Fora/MG

Risália

Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
não são as aves festejando o dia:
— São os últimos gritos que te envia
meu triste coração, morto de amores...

Se sentires uns tépidos olores,
não penses que é o rosal que te inebria:
— É minha alma nas ânsias da agonia
que, só por te beijar, se muda em flores...

Se vires balouçar as níveas gazas
do docel de teu leito, não te afoites,
nem te assustes, querida! São meus zelos

que vão, de leve, sacudindo as asas,
carinhosos, beijar, todas as noites,
teus olhos, tua fronte e teus cabelos...
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BERTA CELESTE HOMEM DE MELO
Pindamonhangaba/SP, 1902 – 1999, Jacareí/SP

Ilusão

Ilusão! sonho efêmero e falaz,
que nos seduz e embala o coração!
Sublime, terno enleio que nos traz,
de um bem sonhado, a doce sensação!

Bendita e vã, quimérica e fugaz,
dura, às vezes, tão pouco uma ilusão!
É um bem pueril que nasce e se desfaz,
qual uma frágil bolha de sabão!

Mas, enganosa e vã, fugace embora,
ai de quem segue pela vida afora,
sem que lhe cante na alma uma ilusão!

Uma ilusão que vá por seus caminhos,
piedosa e boa, a disfarçar espinhos,
despetalando flores pelo chão!...

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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