segunda-feira, 11 de julho de 2022

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 9

A cinza morta revela,
na tapera abandonada...
Que um fantasma dentro dela,
mantém a cinza apagada!
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A jovem mãe, no abandono,
consola a filha do amor;
a mãe, uma flor sem dono
amamentando outra flor!
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A saudade só se explica,
neste Natal, sem meus pais,
na dor da ausência que fica
das noites de outros Natais!
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Às vezes, ao pé do monte,
contemplo sozinho ao léu,
os olhos tristes da fonte
pedindo justiça ao céu!
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A trova muito me importa;
pequenina, se agiganta
quando, em tudo que transporta,
carrega a voz de quem canta!
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Comparo as luzes do outono,
aos antigos castiçais,
mantendo as luzes sem sono
em seus velhos rituais!
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Converso com as reticências;
e, entre esperas e demoras...
Sinto ritos de existências
que há no silêncio das horas!
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Daquele instante risonho,
que moldou nosso roteiro...
Guardo o derradeiro sonho
como se fosse o primeiro!
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Depois de feita a moldura
da aquarela do arrebol,
Deus pôs gotas de ternura
na rosa rubra do Sol.
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Eis que espera tão divina:
Mesmo aos pontapés, e aos trancos,
sinto que a paz dobra a esquina,
nestes meus cabelos brancos!
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Em todo canto, ele cabe,
sem ele, o amor, não resiste;
quem ama, sente e não sabe,
porque é que o ciúme existe!
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Esta fé que compartilho,
que me arrasta e me seduz,
é a fé de um velho andarilho
que vence o peso da cruz!
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Eu busquei com tanto ardor
esse amor que Deus me deu...
Que encontrei cegos de amor,
bem mais cegos do que eu!
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Eu peço nas horas calmas
aos meus versinhos sem teto,
que levem meus pães às almas,
dos mais famintos de afeto!
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Larga esse orgulho senhor
e vê que exemplo feliz,
há na humildade do amor
de São Francisco de Assis!
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Na miséria da favela,
surge um velhinho indefeso,
mantendo acesa uma vela,
ao lado de um sonho aceso!
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O amor quando pinta e borda,
domina e faz o que quer,
faz vibrar corda por corda
do coração da mulher!
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Olha o céu, sem poder vê-la,
mas pela fé, que o conduz...
Será que a luz de uma estrela,
não é do cego uma luz?!
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Ó, velho mar, eu presumo
que és grande e, eu tão pequenino;
sou grão de areia sem rumo
no imenso mar do destino!
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Para enfrentar a velhice
e o pó da aridez do outono,
eu trouxe da meninice,
halos da paz do meu sono!
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Rondando o circo do sonho,
num suspiro derradeiro,
velho, o palhaço tristonho,
diz adeus ao picadeiro!
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Sem mais te ver, sem teus laços,
passei a ouvir sons em vão,
da saudade de teus passos,
nos espaços do meu chão!
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Se o ódio, turva a razão,
o tédio, vira um temor;
purgam-se pelo perdão,
queixas e mágoas de amor!
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Só depois que tu me olhaste,
e olhei esses olhos teus,
senti que tu não pecaste
e, eu pequei diante de Deus!
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Tentei, mas não tive escolha;
dois mil e vinte chegou,..
Já rasguei folha por folha
do ano velho que passou!
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Teus velhos chinelos são
guardados hoje, ao meu lado,
partes dos pés do teu chão,
sobre o chão do meu passado!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

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