Há muito tempo, em todas as casas do campo as pessoas lavavam os pés, tal como fazem hoje, depois jogavam a água fora, porque não se podia deixar água suja dentro de casa durante a noite. Os mais velhos sempre diziam que algo de ruim entraria na casa se a água usada para lavar os pés fosse mantida em seu interior. Sempre diziam também que ao jogar a água era preciso gritar "Cuidado!" para evitar que almas ou espíritos ficassem no caminho. Mas isso não é coisa daqui nem de agora, e tenho que continuar a minha história.
Há muito tempo, uma viúva morava a leste do condado Limerick, num lugar ermo. Uma noite, quando ela e a filha foram dormir, esqueceram-se de jogar fora a água dos pés. Pouco depois de terem se deitado, ouviram bater à porta e uma voz que dizia: "Chave, deixe-nos entrar!".
Bem, a viúva não disse nada, e a filha também ficou de bico fechado.
"Chave, deixe-nos entrar", a voz repetiu e tchan! — dessa vez a chave falou em voz alta: "Não posso deixá-los entrar, e estou amarrada à coluna da cama da velha senhora".
"Água de pés, deixe-nos entrar", a voz disse, e então a tina com a água de pés se partiu, a água se espalhou pela cozinha, a porta se abriu e entraram três homens com sacolas cheias de lã e três mulheres com rocas.
Sentaram-se ao pé do fogão. Os homens tiravam toneladas de lã das sacolas, as pequenas mulheres a fiavam, e os homens punham o fio nas sacolas. Isso continuou por algumas horas, e a viúva e a filha estavam à beira da loucura de tanto medo. Mas ainda restava um pouco de juízo à jovem.
Lembrando-se de que havia uma vidente não muito longe dali, ela foi do quarto para a cozinha e pegou um balde. "Vocês vão tomar um gole de chá depois de todo esse trabalho", ela disse na maior cara-de-pau, e saiu porta afora.
Eles não a ajudaram nem a impediram de sair.
Lá foi ela à casa da vidente e lhe contou sua história. "É um caso complicado, e ainda bem que você me procurou", a vidente disse, "pois você ia ter que andar muito para achar alguém que as salvasse deles. Eles não são deste mundo, mas sei de onde são. E eis o que você precisa fazer." E ela explicou à jovem o que deveria fazer.
A jovem tomou o caminho de volta, encheu o balde na fonte e entrou em casa novamente. Ao se aproximar da escada, ela jogou o balde no chão fazendo o maior barulho e gritou o mais alto que pôde: "Sliabh na mBan* está toda em chamas!".
Ouvindo isso, os homens e mulheres estranhos se puseram a correr rumo ao leste, em direção à montanha.
Sem perder tempo, a jovem jogou fora a tina quebrada, aferrolhou a porta e colocou a tranca. E ela e a mãe voltaram para a cama.
Não demorou muito, e elas mais uma vez ouviram passos no terreiro, e a voz lá fora gritando: "Chave, deixe-nos entrar!". E a chave respondeu: "Não posso deixá-los entrar. Já não lhes disse que estou amarrada à coluna da cama da velha senhora?". "Água de pés, deixe-nos entrar!", a voz disse.
"Como poderia", a água de pés disse. "Estou aqui no chão embaixo dos pés de vocês!"
E, por mais que gritassem e se esgoelassem cheios de raiva, não conseguiram entrar na casa. Tudo em vão. Não podiam entrar, pois a água de pés tinha sido jogada fora.
E lhes digo que se passou muito tempo antes que a viúva e sua filha esquecessem de jogar fora a água dos pés e de limpar a casa direitinho antes de dormir.
Há muito tempo, uma viúva morava a leste do condado Limerick, num lugar ermo. Uma noite, quando ela e a filha foram dormir, esqueceram-se de jogar fora a água dos pés. Pouco depois de terem se deitado, ouviram bater à porta e uma voz que dizia: "Chave, deixe-nos entrar!".
Bem, a viúva não disse nada, e a filha também ficou de bico fechado.
"Chave, deixe-nos entrar", a voz repetiu e tchan! — dessa vez a chave falou em voz alta: "Não posso deixá-los entrar, e estou amarrada à coluna da cama da velha senhora".
"Água de pés, deixe-nos entrar", a voz disse, e então a tina com a água de pés se partiu, a água se espalhou pela cozinha, a porta se abriu e entraram três homens com sacolas cheias de lã e três mulheres com rocas.
Sentaram-se ao pé do fogão. Os homens tiravam toneladas de lã das sacolas, as pequenas mulheres a fiavam, e os homens punham o fio nas sacolas. Isso continuou por algumas horas, e a viúva e a filha estavam à beira da loucura de tanto medo. Mas ainda restava um pouco de juízo à jovem.
Lembrando-se de que havia uma vidente não muito longe dali, ela foi do quarto para a cozinha e pegou um balde. "Vocês vão tomar um gole de chá depois de todo esse trabalho", ela disse na maior cara-de-pau, e saiu porta afora.
Eles não a ajudaram nem a impediram de sair.
Lá foi ela à casa da vidente e lhe contou sua história. "É um caso complicado, e ainda bem que você me procurou", a vidente disse, "pois você ia ter que andar muito para achar alguém que as salvasse deles. Eles não são deste mundo, mas sei de onde são. E eis o que você precisa fazer." E ela explicou à jovem o que deveria fazer.
A jovem tomou o caminho de volta, encheu o balde na fonte e entrou em casa novamente. Ao se aproximar da escada, ela jogou o balde no chão fazendo o maior barulho e gritou o mais alto que pôde: "Sliabh na mBan* está toda em chamas!".
Ouvindo isso, os homens e mulheres estranhos se puseram a correr rumo ao leste, em direção à montanha.
Sem perder tempo, a jovem jogou fora a tina quebrada, aferrolhou a porta e colocou a tranca. E ela e a mãe voltaram para a cama.
Não demorou muito, e elas mais uma vez ouviram passos no terreiro, e a voz lá fora gritando: "Chave, deixe-nos entrar!". E a chave respondeu: "Não posso deixá-los entrar. Já não lhes disse que estou amarrada à coluna da cama da velha senhora?". "Água de pés, deixe-nos entrar!", a voz disse.
"Como poderia", a água de pés disse. "Estou aqui no chão embaixo dos pés de vocês!"
E, por mais que gritassem e se esgoelassem cheios de raiva, não conseguiram entrar na casa. Tudo em vão. Não podiam entrar, pois a água de pés tinha sido jogada fora.
E lhes digo que se passou muito tempo antes que a viúva e sua filha esquecessem de jogar fora a água dos pés e de limpar a casa direitinho antes de dormir.
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* Sliabh na mBan (ou Slievenamon) é uma montanha com uma altura de 721 metros em County Tipperary,
Irlanda. Nasce de uma planície que inclui as cidades de Fethard, Clonmel
e Carrick-on-Suir. A montanha é rica em folclore e está associada a
Fionn mac Cumhaill. (wikipedia)
Fonte:
Angela Carter. 103 contos de fadas. Publicado originalmente em 1990.
Angela Carter. 103 contos de fadas. Publicado originalmente em 1990.
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