Em Minas se diz que cada vez que um casal de namorados fica em silêncio, nasce um anjo – ou morre um padre.
A ser verdade, meus primeiros namoros teriam superpovoado o céu – e dizimado o clero.
Minha primeira namorada se chamava Jane. Estávamos no pré-primário, talvez no primeiro ano. Ela era linda, tinha cabelos lisos,e imagino que tivesse uma voz igualmente lisa e linda, que receio nunca ter ouvido. Eu a namorava sem que ela soubesse, claro.
Contei à minha mãe que estava namorando. E que Jane nunca ia às aulas às sextas-feiras.
– Vai ver, é bruxa. – disse minha mãe, sem se desviar da costura.
Eu não sabia que havia relação entre bruxas e sextas-feiras. Jane – alva, silenciosa – em nada me lembrava as bruxas dos livros. Soube, depois, que ela apenas viajava com os pais todas as sextas. Por outro lado, descobri, naquele comentário, que minha mãe, com o humor característico da família, talvez não tivesse a menor vocação para ser a sogra mais amigável do planeta.
Zirlene, a namorada seguinte, também nunca soube que fomos namorados por quase um ano.
Estávamos então já na quinta série – sim, fiquei solteiro dos 6 aos 11 anos. Da Zirlene não me lembro de nada além do nome (como esquecer um nome desses?). Posso inventar agora que tinha cabelos cacheados, nariz de batata, que era baixinha. Não há de haver outra Zirlene, então será fácil localizá-la e verificar. Namoramos tempo suficiente para não trocarmos uma palavra, ainda que fôssemos colegas de turma.
Em seguida, ou em paralelo, não sei, houve a primeira Helena. Dessa me lembro bem. Era gorducha, tinha seios igualmente gorduchos – apenas intuídos, mas dobrinha aquilo com certeza não era. Devo ter uma fotografia dela, numa dessas caixas que me recuso a abrir. Uma foto de borda serrilhada, autografada no verso, e posso dizer que namorei com a foto, não com ela.
Muito antes do Manuel Carlos, tive a epifania de que minha musa, quando eu me tornasse escritor, se chamaria Helena. Eu já lera sobre a Marília de Dirceu, a Dulcineia de Dom Quixote, e em qualquer história que eu viesse a escrever – porque eu já sabia que escreveria – minha heroína seria Helena, não como a de Troia, mas como aquela, gorduchinha, de Araguari.
Houve então Dulcineia. Que, claro, nunca tinha ouvido falar em Dom Quixote e deve ter rido muito do garoto desengonçado, magricelo, que um dia, depois de muito ensaio, ousou lhe perguntar se ela tinha lido Cervantes. Não, não tinha. E eu me senti o cavaleiro da triste figura.
Veio então outra Helena, que amei só pelo nome, e porque me parecia impossível não amar alguém que se chamasse Helena. Ou Cecília.
Mas Cecília era nome non grato lá em casa – Cecília era a noiva do meu pai, até ele se encantar por uma Conceição. Se Jane era uma bruxa só por faltar às aulas nas sextas-feiras, imagino que passaria uma Cecília nas mãos da minha mãe.
Tive notícias da Jane décadas mais tarde – casada, uma filha, que não sei se terá herdado seus poderes mágicos. De Zirlene e da primeira Helena, nem fumaça. Dulcineia há de ter encontrado um Sancho Pança – ou um moinho. A segunda Helena eu revi num daqueles shows de 1º de maio, no Riocentro. Veio falar comigo, me apresentou o namorado. Conversamos ali, em cinco minutos, mais que nos dois anos do nosso namoro sem palavras.
Foram namoros sem beijos, sem mãos dadas, sem uma sílaba sequer. Namoros unilaterais, com aquele silêncio solitário incapaz de fazer brotar anjos e fenecer padres. No máximo provocariam bocejos em coroinhas ou acúmulo de tecido adiposo em querubins.
Se um dia for a Minas, e for à missa, repare no tédio dos coroinhas ao bambolear o incensório. Depois levante os olhos e preste atenção ao ventre dos querubins, às suas coxas roliças, às dobrinhas dos braços, às suas discretas papadas. Veja com que esforço as asinhas os sustentam no ar.
É tudo obra minha, com a cumplicidade involuntária de Jane, Zirlene, Helena 1, Dulcineia, Helena 2. Só a partir de Maria de Fátima é que entrei no ramo da multiplicação de anjos e extermínio de autoridades eclesiásticas, atividades nas quais sou muito bom até hoje.
A ser verdade, meus primeiros namoros teriam superpovoado o céu – e dizimado o clero.
Minha primeira namorada se chamava Jane. Estávamos no pré-primário, talvez no primeiro ano. Ela era linda, tinha cabelos lisos,e imagino que tivesse uma voz igualmente lisa e linda, que receio nunca ter ouvido. Eu a namorava sem que ela soubesse, claro.
Contei à minha mãe que estava namorando. E que Jane nunca ia às aulas às sextas-feiras.
– Vai ver, é bruxa. – disse minha mãe, sem se desviar da costura.
Eu não sabia que havia relação entre bruxas e sextas-feiras. Jane – alva, silenciosa – em nada me lembrava as bruxas dos livros. Soube, depois, que ela apenas viajava com os pais todas as sextas. Por outro lado, descobri, naquele comentário, que minha mãe, com o humor característico da família, talvez não tivesse a menor vocação para ser a sogra mais amigável do planeta.
Zirlene, a namorada seguinte, também nunca soube que fomos namorados por quase um ano.
Estávamos então já na quinta série – sim, fiquei solteiro dos 6 aos 11 anos. Da Zirlene não me lembro de nada além do nome (como esquecer um nome desses?). Posso inventar agora que tinha cabelos cacheados, nariz de batata, que era baixinha. Não há de haver outra Zirlene, então será fácil localizá-la e verificar. Namoramos tempo suficiente para não trocarmos uma palavra, ainda que fôssemos colegas de turma.
Em seguida, ou em paralelo, não sei, houve a primeira Helena. Dessa me lembro bem. Era gorducha, tinha seios igualmente gorduchos – apenas intuídos, mas dobrinha aquilo com certeza não era. Devo ter uma fotografia dela, numa dessas caixas que me recuso a abrir. Uma foto de borda serrilhada, autografada no verso, e posso dizer que namorei com a foto, não com ela.
Muito antes do Manuel Carlos, tive a epifania de que minha musa, quando eu me tornasse escritor, se chamaria Helena. Eu já lera sobre a Marília de Dirceu, a Dulcineia de Dom Quixote, e em qualquer história que eu viesse a escrever – porque eu já sabia que escreveria – minha heroína seria Helena, não como a de Troia, mas como aquela, gorduchinha, de Araguari.
Houve então Dulcineia. Que, claro, nunca tinha ouvido falar em Dom Quixote e deve ter rido muito do garoto desengonçado, magricelo, que um dia, depois de muito ensaio, ousou lhe perguntar se ela tinha lido Cervantes. Não, não tinha. E eu me senti o cavaleiro da triste figura.
Veio então outra Helena, que amei só pelo nome, e porque me parecia impossível não amar alguém que se chamasse Helena. Ou Cecília.
Mas Cecília era nome non grato lá em casa – Cecília era a noiva do meu pai, até ele se encantar por uma Conceição. Se Jane era uma bruxa só por faltar às aulas nas sextas-feiras, imagino que passaria uma Cecília nas mãos da minha mãe.
Tive notícias da Jane décadas mais tarde – casada, uma filha, que não sei se terá herdado seus poderes mágicos. De Zirlene e da primeira Helena, nem fumaça. Dulcineia há de ter encontrado um Sancho Pança – ou um moinho. A segunda Helena eu revi num daqueles shows de 1º de maio, no Riocentro. Veio falar comigo, me apresentou o namorado. Conversamos ali, em cinco minutos, mais que nos dois anos do nosso namoro sem palavras.
Foram namoros sem beijos, sem mãos dadas, sem uma sílaba sequer. Namoros unilaterais, com aquele silêncio solitário incapaz de fazer brotar anjos e fenecer padres. No máximo provocariam bocejos em coroinhas ou acúmulo de tecido adiposo em querubins.
Se um dia for a Minas, e for à missa, repare no tédio dos coroinhas ao bambolear o incensório. Depois levante os olhos e preste atenção ao ventre dos querubins, às suas coxas roliças, às dobrinhas dos braços, às suas discretas papadas. Veja com que esforço as asinhas os sustentam no ar.
É tudo obra minha, com a cumplicidade involuntária de Jane, Zirlene, Helena 1, Dulcineia, Helena 2. Só a partir de Maria de Fátima é que entrei no ramo da multiplicação de anjos e extermínio de autoridades eclesiásticas, atividades nas quais sou muito bom até hoje.
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